Robinalva Borges Ferreira (Universidade do Extremo Sul Catarinense - SC)
Paulo Rômulo de Oliveira Frota (Universidade do Extremo Sul Catarinense -SC)
A complexidade do processo de aprendizagem, com a qual muitos professores da educação superior se deparam, é ampliada com a avaliação, que faz a inter-relação com os objetivos, conteúdos e metodologia. O campo estabelecido para o presente estudo foi a avaliação processual realizada por professores da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais Aplicadas - UNA CSA da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc, uma universidade comunitária situada em Criciúma - SC. Com o objetivo de verificar como os professores internalizam o conceito de avaliação processual e suas relações com o ensino e aprendizagem, montamos um estudo de caso, utilizando como instrumento de coleta de dados a entrevista com 10 professores da UNA CSA. Como resultado principal podemos apontar que os conceitos de avaliação processual apresentados pela amostra não demonstram os atributos necessários para que sejam classificados como conceitos científicos.
Palavras-chave: Avaliação processual. Conceitos. Educação superior.
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Atualmente, em nosso país, muito se fala sobre diretrizes curriculares, documentos institucionais, formação continuada, projeto pedagógico e avaliação. No entanto, parece que estas discussões nem sempre são incorporadas no trabalho docente, de forma que possam ressignificar o processo de ensinar, aprender e avaliar.
A complexidade do processo de aprendizagem, com a qual muitos professores da educação superior se deparam, é ampliada com a avaliação, que faz a inter-relação entre os objetivos, conteúdos e metodologia. Há, ainda, a predominância de uma visão hegemônica de avaliação que supervaloriza o produto em detrimento do processo.
Portanto, é necessária a superação da educação tradicional, em que a função do professor é o transmitir conteúdos prontos e acabados e a do aluno é reproduzi-los. É necessário superar a visão de avaliação classificatória, com função de notificar, classificar, selecionar, classificar, excluir e punir. (SILVA, 2004).
Este autor coloca que poderemos superar a avaliação classificatória com a avaliação formativa, a qual denominaremos de processual, que objetiva acompanhar de forma interativa e regular se os objetivos pedagógicos estão sendo atingidos, possibilitando informações sobre o trabalho docente e o percurso da aprendizagem discente, corrigindo os desvios de ambos.
Seus principais pressupostos, de acordo com o que foi estabelecido na Reforma Administrativa da Unesc, são: sobreposição dos processos sobre os produtos de aprendizagens; fornecer informações globais sobre os fatores que afetam os processos de aprendizagens e a diferenciação dos processos avaliativos de acordo com as necessidades e imperativos do contexto socioeducacional dos discentes, dos conteúdos e dos objetivos curriculares. As bases epistemológicas e pedagógicas estão presentes no Projeto Político
Pedagógico da instituição de ensino, podem romper com procedimentos padronizados.O sistema avaliativo deixa de ser pontual, classificatório e excludente, adotando uma postura de acompanhamento mais individualizado e participativo por parte do aluno. A função principal da avaliação processual é aprimorar o processo de aprendizagem e ampliar a probabilidade de que todos os estudantes aprendam. A avaliação é considerada como um dos elementos que possibilita a retroalimentação e a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem.
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Neste sentido, apontamos o objetivo do estudo: analisar a internalização do conceito de avaliação processual externados pelos professores da UNA CSA da Unesc, após três semestres de implantação do novo sistema de avaliação nos cursos de graduação da Unesc.
Justificamos este estudo pela carência de produção científica sobre a temática avaliação no processo ensino/aprendizagem, em nível superior. Predominam estudos e pesquisas sobre avaliação na educação básica.
Percebemos que alguns estudos estão sendo feitos sobre avaliação na educação superior, mas é necessário que sejam ampliados, possibilitando novas reflexões acerca da temática. A emergência da pedagogia universitária nos tem indicado o quanto ainda precisamos investir nas pesquisas neste campo. E ainda, este será o primeiro estudo após a implantação do novo sistema avaliativo da instituição.
A avaliação dos estudantes universitários está inserida no processo educativo, como instrumento da aprendizagem, não como atividade que busque somente a certificação, promoção ou aprovação, portanto, procura acompanhar o percurso dos estudantes em busca do alcance dos objetivos educacionais. (COIMBRA, 2002).
O autor destaca que a avaliação definida como instrumento do aprendizado apresentase com pressupostos e características intimamente ligados aos objetivos educacionais e à missão da universidade, expressados pela natureza social e pela função socializadora da educação, com uma das razões de promover o desenvolvimento humano.
Demo (2009) chama a atenção para um ensino ainda muito instrucionista, o qual fala que é condenado por razões pedagógicas e biológicas, pois o ser vivo não pode ser instruído e sim educado. As aulas são reprodutivas, informações repassadas, para serem armazenadas e reproduzidas na prova, dois procedimentos muito secundários, que poderíamos dizer não mais adequados para o contexto atual de uma sociedade tão dinâmica.
Portanto, a aula poderia ser planejada com o objetivo de envolver o acadêmico, provocar questionamentos, elaboração de projetos, argumentos, fundamentos, para que ele construa e reconstrua o conhecimento e sua autonomia, sendo um cidadão com história própria.
Por consequência a avaliação, nesta perspectiva de ensino e aprendizagem, está voltada para a qualidade formal e política, para acompanharmos até que ponto os acadêmicos manejam conhecimento e até que ponto sabem o que fazer com tal conhecimento. Por serem duas coisas imbricadas, à medida que o acadêmico aprende a pensar, argumentar, questionar, contra-argumentar, escutar com atenção, responder com elegância e profundidade, igualmente construindo conhecimento e sua cidadania.
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Nesse sentido, redefine-se a função do professor, em vez de ser alguém treinado para ensinar, para ser um eterno aprendiz, ou seja, para que um acadêmico pesquise e elabore e torne-se autônomo e criativo, precisa de um professor também com estas qualidades.
Demo ressalta que não basta dar aula, é preciso acompanhar todos os dias se os acadêmicos estão aprendendo. A avaliação então é um procedimento essencial nesse processo.
Cabe a reflexão do professor em qual binômio se encontra: aula reprodutiva e prova, ou seja, aula tradicional e avaliação tradicional, ou aula operatória e avaliação processual, ou seja, aulas em que o professor cuida da aprendizagem do acadêmico, provocando-o a aprender a pensar e a construir o conhecimento, acompanhando por meio da avaliação processual.
Conceber a avaliação como um dos componentes do trabalho docente é uma forma de consolidar um novo paradigma para a formação universitária, tendo em vista que melhorar os processos de avaliação não é suficiente para dar conta do processo complexo de ensinar e aprender em tempos de incertezas. É preciso também discutir as condições de trabalho objetivas oferecidas aos docentes para superarem os modelos concebidos que conspiram contra uma organização curricular integrada.
A avaliação percorre todas as etapas do ensino, e se materializa em várias atividades desenvolvidas pelo professor e pelos alunos. A avaliação processual é sistemática e contínua, no sentido da obtenção de informações e manifestações acerca do desenvolvimento das atividades docentes e discentes.
É a avaliação processual que a Unesc pensa ser a mais adequada neste momento, para contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, possibilitando que professor e acadêmico reflitam sobre estes processos e sobre suas atitudes, objetivando identificar avanços e dificuldades para que sejam superadas. Sendo a aprendizagem um processo dinâmico e contínuo, o feedback também segue este caminho, retornando as informações e possibilitando o aperfeiçoamento do processo.
Ao se planejar uma avaliação, ela deve ser pensada e atender a alguns objetivos,
portanto, apontamos as funções que deve cumprir um processo avaliativo de acordo com
Libâneo (1994), que destaca três funções da avaliação: a função pedagógico-didática, que se refere aos objetivos gerais e específicos, bem como os meios para atingi-los, pois estes constituem um ponto de partida, e os critérios e procedimentos avaliativos. A função diagnóstica: essa função permeia todas as fases do ensino, possibilitando o cumprimento da primeira função citada. Portanto, se refere à análise sistemática das ações do professor e dos alunos, visando detectar os avanços e desvios do trabalho docente em relação aos objetivos, conteúdos e métodos. E por último, a função de controle, que se refere à comprovação e
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qualificação sistemática dos resultados da aprendizagem dos alunos, face ao proposto pelo professor. Portanto, são expressos juízos de valor, por meio dos dados coletados, que são convertidos em notas ou conceitos.
A avaliação deve ser orientadora da aprendizagem, em que o ensino e a avaliação caminham juntos. A avaliação na educação superior poderia ser formativa e comprometida com a melhoria das condições de ensino/aprendizagem, promovendo a autonomia e o desenvolvimento dos envolvidos, evitando a continuação da exclusão, competição e controle. Há muito que se construir na avaliação universitária e o começo poderia ser o desconstruir de que esta é fenômeno técnico e desinteressado. Um dos cuidados que o professor universitário deverá ter é diversificar os instrumentos avaliativos, no sentido de acompanhar o processo de aprendizagem, oportunizando diferentes formas de linguagem, como painel integrado; prova escrita dissertativa, que poderá ser individual, em dupla, sem consulta e com consulta com o colega, nos livros, na internet, na sala de aula, na biblioteca e no laboratório de informática; observação; diário reflexivo; portifólio; trabalho monográfico; seminário; entrevista; conselhode turma e autoavaliação. (MENDES, 2005).
Gil (2008) chama a atenção para as técnicas de avaliação utilizadas pelos professores, que devem ser selecionadas após a elaboração do planejamento, estabelecimento de conteúdos, metodologias e principalmente de objetivos.
Implantação da avaliação processual
A Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc está implantando a reforma acadêmico-administrativa desde 2005, quando da aprovação do novo estatuto da mantenedorae do novo regimento da instituição. Incluso, nas várias mudanças, no regimento institucional está a implantação da avaliação processual no segundo semestre de 2007, previsto nos artigos 86 a 91, em que a principal mudança é a não-realização da quarta avaliação, ou prova final ou provão, termos estes utilizados na academia. Esta mudança no sistema avaliativo teve como base o Projeto Político Pedagógico da instituição, que desde sua construção, em 2001, apontava para uma avaliação processual, dinâmica, inclusiva.
O regimento geral da instituição aponta algumas atribuições do docente referente à avaliação processual: 1) organização do processo avaliativo e do registro dos resultados e da freqüência dos acadêmicos; 2) participar da definição dos procedimentos de avaliação, no
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Colegiado do curso; 3) diversificar os instrumentos de avaliação da aprendizagem; 4) analisar,discutir e registrar os resultados da avaliação; 5) oportunizar recuperação dos conteúdos aos acadêmicos durante o semestre letivo.
O docente também deverá efetivar, no mínimo, 03 (três) avaliações, sendo, pelo menos, 02 (duas) individuais, e é assegurada a informação do resultado, o direito à devolução de cada avaliação, antes da realização da avaliação seguinte; para fins de registro, as avaliações serão expressas em resultados numéricos de 0,0 (zero) a 10,0 (dez), e no resultado final a nota será expressa com 02 (duas) casas decimais após a vírgula e serão aprovados os acadêmicos que obtiverem, no final do período letivo, média aritmética das notas igual ou superior a 6,0 (seis) e frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento).
Nas disposições transitórias, referentes à avaliação processual, consta que o prazo para a implantação seria o 2º semestre/2007 e que a avaliação do desempenho escolar proposta no Regimento será implementada, acompanhada e avaliada durante 01 (um) ano letivo, asseguradas as condições necessárias para sua realização, depois deste período será reavaliada. (UNESC, 2009).
Foi acordado que no novo sistema de avaliação se mantivesse os seguintes princípios da avaliação anterior: diversificação de instrumentos avaliativos e possibilidade de recuperação de conteúdos, isto porque eles não eram convenientemente empregados e por consequência não eram também avaliados.
As duas principais mudanças no novo sistema de avaliação foram a retirada da prova final, ou quarta avaliação, também chamado de provão, e a alteração para 6,0 da média final para aprovação. No sistema anterior o acadêmico era aprovado com média 7,0 ou com média 5,0, após prestar a prova final.
Estas modificações se justificam pelo fato de que no sistema de avaliação processual tanto o desempenho do acadêmico quanto do professor é analisado; a correção de tarefas serve para analisar e acompanhar o acadêmico nas atividades de aprendizagem/avaliação, pela possibilidade do acadêmico realizar a recuperação, reelaborando hipóteses, aprofundando conhecimentos, refletindo sobre sua aprendizagem.
O conceito de Hoffmann (2003) nos auxilia no entendimento da avaliação processual: avaliação é um processo dialógico e cooperativo por meio do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos no ato próprio da avaliação.
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Procuramos dialogar com os autores para compreendermos a elaboração conceitual, possibilitando posterior análise desta por professores da UNA CSA da Unesc, referente à AP, sistema este adotado pela instituição a partir do segundo semestre de 2007.
Os conceitos, de modo geral, podem ser compreendidos como um sistema de relações e generalizações determinadas por um processo histórico. (VYGOTSKY, 1993)
Na teoria histórico-cultural entendemos os conceitos não como entidades isoladas, mas
como elementos de um sistema complexo de inter-relações, e podemos distinguir três nuances
da ideia de conceitos: uma primeira mudança qualitativa ocorre dos animais para os seres
humanos, principalmente pela fala: correspondente ao primeiro aparecimento da linguagem (e
dos conceitos) na filogênese; uma segunda mudança qualitativa é quando da transição do
modo situacional para o abstrato, relacionado com os diferentes tipos de conceitos que
aparecem no desenvolvimento ontogenético e resultado do envolvimento do sujeito em
atividades culturais.
Esta segunda mudança pode distinguir os adultos das crianças e os diferentes membros
de grupos culturais. A terceira mudança qualitativa como efeito de práticas culturais se
relaciona com processos metacognitivos em que a investigação sobre a natureza dos próprios
conceitos promove um novo afastamento em relação ao mundo da experiência.
Esta última mudança pode estar relacionada à alfabetização, escolarização e ao
desenvolvimento científico. (OLIVEIRA, 1999).
A autora coloca que na história das investigações sobre conceitos podemos identificar
diferentes concepções a respeito de sua natureza. Na concepção clássica, que prevaleceu na
literatura desde Aristóteles até o início da década de 1970, o conceito podia ser descrito como
“uma espécie de lista de propriedades necessárias e suficientes que o definiriam e podia ser
incluído numa hierarquia de classes e subclasses basicamente equivalentes a taxonomias
científicas”. (OLIVEIRA, 1999, p. 58).
Os experimentos de Vygotsky estão em consonância com esta concepção, pois
utilizavam conjunto de objetos, blocos de madeira e cartões, que se diferenciavam pelo
número significativo de atributos. A tarefa do sujeito era descobrir os atributos de cada
conceito.
Na concepção teórica, “os conceitos não são atividades isoladas na mente do sujeito,
mas estão organizados em algum tipo de todo estruturado, uma rede de significados, em que
há relação entre os elementos”. (OLIVEIRA, 1999, p. 59).
Os conceitos são partes de uma teoria, seja ela teoria científica ou estrutura cognitiva
do senso comum. Assim percebemos que esta abordagem representa melhor a complexidade
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da organização conceitual da mente humana tendo em vista as relações e estruturas, sendo
aplicável a todas as espécies de conceitos.
Para Vygotsky (1993), a palavra é um meio para a formação do conceito, é um
elemento de constante mudança na estrutura psicológica e as associações entre as palavras
provocam a reorganização conceitual.
Também importante para entendimento da complexidade da estrutura conceitual é o
postulado vigotskyano referente “a conexão entre pensamento e as dimensões motivacionais
do funcionamento psicológico”. (OLIVEIRA, 1999, p. 60).
A autora diz que a organização conceitual é um conjunto flexível de significados,
aberto a uma reestruturação constante com base em situações interpessoais que provocam a
reflexão.
Portanto, os postulados de Vygotsky (1993) sobre o desenvolvimento de conceitos
científicos têm implicações relevantes na psicologia e na educação.
Apresentamos a distinção que Vygotsky fez entre conceito espontâneo ou cotidiano e
conceito científico. O conceito cotidiano (adotaremos esta nomenclatura) é definido pelos
termos de propriedades perceptivas, funcionais ou contextuais da pessoa. Ao passo que o
conceito científico está relacionado a outros conceitos científicos, ou seja, a um sistema de
conceitos, em que a relação do conceito científico com um objeto é mediada por outro
conceito científico.
Sendo assim, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, por meio de
uma aprendizagem, desenvolve um sistema de conceitos e a mediação destes. Exemplificam
os dois tipos de conceitos com a aprendizagem de uma segunda língua na escola (conceito
científico) e o desenvolvimento da língua nativa (conceito cotidiano) ou ainda da
aprendizagem da língua escrita na escola e a linguagem oral em casa, conceitos também
diferentes, pois o científico inicia com procedimentos analíticos e o cotidiano com
experiências concretas do cotidiano da pessoa.
Os conceitos cotidiano e científico têm histórias diferentes, que podem estar refletidas
nas formas com que usamos ou expressamos o conhecimento.
Vygotsky (1993) enfatizou o complexo inter-relacionamento entre os dois processos e
assim destaca a importância do papel dos conceitos transitórios ou intermediários, apesar de
poucas pesquisas feitas para explorá-los, mas aponta que não há um único estágio
intermediário, devido às experiências culturais e familiares que contribuem para a forma com
que os dois tipos de conceitos são elaborados conjuntamente nas diferentes fases do
desenvolvimento.
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Metodologia
A pesquisa foi desenvolvida por meio de um estudo de caso, que no âmbito educativo
pode ser definido como “um processo que tenta descrever e analisar algo em termos
complexos e compreensivos, que se desenvolve durante um período de tempo”. (MOLINA
NETO, 2004, p. 96).
A abordagem foi qualitativa, pois analisamos as falas dos professores e classificamos
em unidades de análise.
“O estudo qualitativo ocorre numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem
um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.
(LUDKE e ANDRÉ, 2003, p.18).
A amostra foi constituída por 10 professores, dois de cada curso, alocados na UNA
CSA, escolhidos por sorteio, a partir da listagem retirada do sistema acadêmico, ou seja, o
sistema informatizado da instituição, a que os setores têm acesso.
A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada com 10
professores selecionados, que assinaram o termo de consentimento informado. Utilizamos um
gravador digital, Digital Voice Recorder - DVR – 860BK, para gravar as entrevistas. Os
arquivos foram salvos no computador, facilitando a transcrição. Também fizemos anotações,
durante as entrevistas, dos principais aspectos de cada resposta do entrevistado.
Para analisarmos os dados da pesquisa utilizamos análise de conteúdo, que de acordo
com Bardin (2006, p. 37) é:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
A análise do conteúdo é um método empírico, mas nada pronto e acabado. Apesar das
regras básicas a serem seguidas, cada analista ou arqueólogo, como diz a autora, baseado nos
objetivos da pesquisa, organiza e reinventa as dimensões ou unidades de análise. Procuramos
então buscar o significado das palavras emitidas nas respostas das perguntas da entrevista.
O corpus da pesquisa foi construído a partir das entrevistas com dez professores da
UNA CSA da Unesc.
Inicialmente realizamos a leitura flutuante, aberta e reflexiva, observando todas as
respostas no sentido de identificar semelhanças e diferenças, pensando algumas hipóteses a
partir dos índices presentes. A partir desta pré-análise foi possível pensar algumas unidades de
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análise.
Posteriormente organizamos cada pergunta agrupando todas as respostas para fazer a
segunda leitura com mais profundidade de análise, possibilitando a exploração do material.
Portanto, os dados brutos foram agregados em unidades, que permitem uma descrição
das características pertinentes ao conteúdo. As unidades foram as temáticas gerais que
apareceram em cada pergunta. Passamos então para a última etapa, a do tratamento dos
resultados obtidos e interpretação.
Seguindo os preceitos da autora, entre a descrição, ou seja, a enumeração resumida das
características contidas nas respostas dos entrevistados, e a interpretação, considerada a
significação concedida a estas características, existe um procedimento intermediário, que é a
inferência, possibilitando a passagem de uma para a outra.
A inferência é considerada uma característica fundante da análise do conteúdo, e trata
das deduções lógicas, ou seja, das conexões que poderemos realizar com o material coletado.
Nuances da avaliação processual: conceitos e contextos
Quanto à formação de conceitos trazemos a contribuição de Vygotsky (1993), dizendo
que é o resultado de uma atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas
fazem parte, como atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e
diferenciar, entre outras. O processo depende da associação, atenção, formação de imagens,
inferências e tendências dominantes, desenvolvidas por meio do uso do signo e da palavra,
pelos quais conduzimos as operações mentais, controlamos os seus cursos e canalizamos em
direção à solução do problema que enfrentamos.
Segundo o autor, a formação de conceitos é considerada como uma função do
crescimento social e cultural global, afetado tanto pelo conteúdo como pelo método de seu
raciocínio.
Os conceitos são constituídos também por atributos essenciais que são comuns a uma
determinada categoria de objetos, eventos ou fenômenos, ou seja, são características comuns
que podem ser designadas por uma palavra, ou ainda um termo que expressa o significado de
uma palavra, fazendo a distinção daquele objeto ou classe de outro.
Luckesi (2001, p. 86) também nos traz o conceito de “conceito” dizendo que “é uma
formulação abstrata que configura, no pensamento, as determinações de um objeto ou
fenômeno”.
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Retomamos as entrevistas com 10 professores, para identificar os conceitos expressos
nos seus discursos. Percebemos que três deles tiveram um pouco de dificuldade para
expressar o conceito de avaliação processual, sendo prolixos e não apresentando os atributos
essenciais do conceito.
As falas dos entrevistados foram colocadas entre aspas, em itálico e quando se
apresentam em mais de três linhas estão recuadas no texto.
Os conceitos de avaliação processual foram agrupados em duas unidades de análise e
destacados por meio de um atributo essencial do conceito.
Na primeira unidade apresentamos a ideia de registro/cobrança de fatura, relacionada
à concepção tradicional de educação, trazida por uma professora:
Atributo do registro
“Vejo assim, avaliar é construir o conhecimento, metodologias em sala de aula que
façam que o aluno estude e registre. Metodologia processual. Avaliação processual
é firmar o conhecimento através da pesquisa e da estimulação para o aluno buscar
o conhecimento ele mesmo. É registrar novamente”. (P4)
Bloom (1973) disse que a arte de avaliar se desenvolveu graças às possibilidades de
mensuração do conhecimento.
Um comportamento que envolve uma simples aquisição de conhecimento pode ser
medido com grande eficiência e economia, visto que é possível avaliar um extenso universo
de conhecimento apenas com uma amostra relativamente pequena de problemas e questões
nesta área. (p. 66).
O atributo essencial deste conceito parece estar no registro da memorização, ou seja,
uma forma do acadêmico devolver as informações repassadas pelo professor, as quais serão
corrigidas com exatidão. Não aparece o atributo referente ao acompanhamento do processo
ensino/aprendizagem.
Na segunda unidade, referente ao acompanhamento e à reflexão está inclusos os 9
professores.
Elencamos os conceitos citados pelos professores de acordo com um atributo essencial
deste.
Atributo de acompanhamento do processo
Apresentamos os conceitos de quatro professores:
“O processual favorece a interação verdadeira, olhar mais para o aluno.
Reconhecer a diferença e cada um tem seu tempo. Não entendeu o assunto, trabalha
com textos diferentes. É favorecer a interação entre professor e aluno, olhar mais
para o aluno, é acompanhamento do aprendizado desde que chegou até o final da
disciplina”. (P7)
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“É tu conseguires perceber a evolução do aluno. Não é avaliação de um
determinado momento, é um chek point, mas ao longo do período para ver se ele se
apropriou. Avalia o conjunto, para isso tem que mudar o formato de lecionar. Não
pontual: evoluindo o contexto do conhecimento, sempre retorna desde o início. Para
que ele consiga chegar no final depende do começo. Acompanhar o processo como
um todo”. (P10)
“Avaliação processual é aquela em que o aluno é avaliado do início do semestre até o
final do semestre, processualmente, não só no momento estanque na prova”. (P6)
“A avaliação é para acompanhar passo a passo o aprendizado do aluno, para não
ficar para o final, não deve ser feita somente no final do processo”. (P8)
De acordo com Hoffmann (2000), a avaliação é um instrumento de trabalho que o
professor usa para problematizar, questionar e refletir, constantemente, no sentido de
constatar dificuldades e necessidades, e principalmente o crescimento e emancipação dos
estudantes.
Percebemos nos conceitos expressos que o foco da avaliação não está centrado
somente no acadêmico, mas também no professor, ou seja, no processo de ensino.
Atributo de objetivos atingidos
Conceito citado por um professor:
“A avaliação processual para mim precisa ter começo, meio e fim, senão não é
processo. O que quero dizer: começo: é disparado algum propósito, onde se quer
chegar, um objetivo bem claro para o aluno e disponibilizado para o aluno. O meio:
como se desenvolve, é o desenvolvimento, de que maneira o conteúdo se desenvolve;
entender que um conteúdo é normalmente subsídio para o seguinte, continuidade. E
o fim é verificar se os propósitos foram atingidos, como verificar na passagem
deles, se serão promovidos, aprovados ou não para a próxima fase. É um processo:
o que, como e o que se espera da disciplina, é acompanhamento do aluno do início
ao final da disciplina”. (P1)
Coimbra (2002) nos auxilia na reflexão do conceito de avaliação, dizendo que deve
estar circunscrita ao foco pedagógico e da formação profissional, atingindo as ações do
professor, referentes aos métodos pedagógicos e as sequências das ações pedagógicas, bem
como ao desempenho escolar do estudante, visando seu perfil profissional e seu nível de
autonomia nos campos do saber e nas atitudes e competências requeridas pelo mundo do
trabalho.
Portanto, os objetivos estão no foco pedagógico e na formação profissional, que
deverão ser atingidos por meio das estratégias de ensino e da avaliação.
Atributo da avaliação relacionada ao ensino e a aprendizagem
Conceitos citados por dois professores:
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“É acompanhamento constante, sistemático da evolução desse aprendizado por
parte dos alunos. Poder acompanhar a evolução do que está sendo proposto na
relação do ensino e aprendizagem. É realmente um processo, não são situações
separadas”. (P9)
“Avaliação é um processo que não está separado do método de ensino, é uma
construção do trabalho a cada momento. Não vejo separado o ato de aprender e o
ato de avaliar, até aqui aprender e agora avaliar. É um processo contínuo”. (P5)
Para Silva (2004, p. 58), a “avaliação formativa-reguladora é um mecanismo
integrativo e regulador da prática docente e das aprendizagens, ocupando um lugar mediador
na ação educativa, sendo fonte de informações descritivas e interpretativas dos percursos e
dos conteúdos de aprendizagens dos pretendentes e das situações didáticas e da relação entre
ambos”.
Para Hoffmann (2000, p. 153): “Avaliação significa ação provocativa do professor,
desafiando o educando a refletir sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses,
encaminhando-se a um saber enriquecido”.
Percebemos que os professores atrelam o conceito de avaliação aos conceitos de
ensino e aprendizagem, apresentando a preocupação com a evolução do acadêmico bem como
com os métodos de ensino. Parece que estes professores se preocupam com o plano de ensino
da disciplina, procurando correlacionar o processo de ensinar com a aprendizagem do
acadêmico, acompanhada por meio da avaliação. É possível que seu entendimento referente à
avaliação processual provocou esta mudança, ou seja, refletir sobre a organização e a
execução do plano de ensino.
Atributo da avaliação do ensino e do processo
Conceito citado por um professor:
“Avaliação é um processo, movimento, constantes mudanças. Processo que está em
movimento, significa incorporar, interagir, é dinâmico. Processo contínuo de
avaliação, em movimento, sempre interagindo com o meio, avaliando a avaliação,
avaliando o processo anterior, a prova anterior, e o processo, até o professor.
Avaliação processual é avaliação que tem que avaliar todos os momentos, não é
estanque, conteúdo aqui e cobrar. Processual vai avaliando o tempo todo, eu me
avalio porque eu mudo de um semestre para outro. Fui mudando a cada semestre”.
(P2)
De Sordi (2000) contribui com o entendimento de avaliação na educação superior, na
qual defende que “deva reger princípios pedagógicos que se diferenciem qualitativamente dos
até então hegemônicos e que se caracterizam pela reprodução, pela homogeneização, não nos
resta alternativa a não ser romper com o modelo positivista de avaliação que usamos e
abusamos [...]”.
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Para tanto, a autora diz que a perspectiva referente à avaliação deve ser proativa,
utilizada em favor da aprendizagem, do acadêmico, em favor de uma excelente formação
profissional. Também deve ser um instrumento útil a todos os envolvidos no processo
universitário, ou seja, para evidenciar os pontos fortes e vulneráveis de acadêmicos e
professores, possibilitando intervenções que diminuam estes hiatos.
Atributo do feedback
Conceito citado por um professor:
“Avaliação processual é muito vinculada com a ideia de processo de avaliação, de
avaliação permanente, não sei se permanente ou continuada, acho que continuada,
participativa. Avaliação é um conjunto de técnicas, para que se tenha referência da
qualidade do que se está desenvolvendo. Vejo a avaliação como um processo de
correção de rumo”. (P3)
Teodoro e Vasconcelos (2003) destacam que a avaliação é uma atividade pedagógica
de fundamental importância na docência universitária e que não entendem esta como uma
atividade que tem o objetivo de medir e controlar resultados do processo de aprendizagem,
verificar o que foi aprendido e fazer o julgamento dos resultados, e sim a avaliação é:
Em primeiro lugar, a capacidade de refletir sobre o processo de aprendizagem,
buscando informações (feedback) que ajudem os alunos a perceber o que estão
aprendendo, o que está faltando, o que merece ser corrigido, o que é importante ser
ampliado ou completado, como os aprendizes poderão fazer melhor isso ou aquilo e,
principalmente, como motivá-los para desenvolverem seu processo de
aprendizagem. (p. 105)
Estamos de acordo com estes autores e esta poderia ser a concepção de avaliação
processual, que poderá modificar nossas aulas universitárias, pois o processo de avaliação
estará integrado ao processo de aprendizagem, como elemento motivador e não como um
conjunto de provas e/ou trabalhos para verificar se o acadêmico passou ou não; o feedback ou
retroalimentação trará ao aprendiz informações necessárias e oportunas para desenvolver sua
aprendizagem; a utilização de técnicas presenciais ou não contribuirá para verificar se os
objetivos estão sendo atingidos; os vários integrantes do processo precisam do feedback:
acadêmico, professor, o grupo de colegas e o programa de ensino que está sendo
desenvolvido, pois todos estão envolvidos na aprendizagem e na aula universitária e precisam
saber se estão contribuindo no alcance dos objetivos acordados.
Por meio destas respostas evidenciamos o objetivo da pesquisa sendo alcançado,
identificando e analisando o conceito de avaliação processual dos professores da UNA CSA,
observando pouca apropriação deste, após três semestres de implantação do novo sistema de
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avaliação. Isto ficou evidenciado por meio da externação de geralmente um único atributo
essencial em cada conceito.
Concluímos, portanto que os conceitos de avaliação processual externados pela
amostra não demonstram conter os atributos necessários para que sejam classificados como
conceitos científicos, de acordo com Vygotsky. A maioria deles pode ser considerada
como conceitos em transição, pois apresenta alguns dos atributos essenciais, o que não lhes
permitiu externá-los;
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Trad: Luis Antero Reto e Augusto Pinheiro.
Lisboa: Portugal: Edições 70, 2006.
DEMO, Pedro. Ser professor é cuidar que o aluno aprenda. 6.ed. Porto Alegre:
Mediação, 2009.
FELTRAN, Regina Célia dos Santis (org). Revendo a avaliação dos repetentes na
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