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Com a saída do professor Paulo Rômulo de Oliveira Frota da UNESC, o Grupo de Pesquisa passa a ter esta nova configuração.

segunda-feira, junho 25, 2012

REFLEXOS DA FORMAÇÃO INICIAL DE FORMADORES EM MATEMÁTICA


Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 12 - n. 2 - p. 217-226 / mai-ago 2012

Phelipe Pires Fermino
Mestre em Educação pela UNISUL  
Cibele da Silva Lucion
Mestre em Educação pela UNESC.
 
Paulo Rômulo de Oliveira Frota
Doutor em Educação Ensino de Ciências Naturais pela UFSC. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNESC.
Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC)
RESUMO
 
A presente pesquisa está vinculada ao GP – Produção do conhecimento no paradigma histórico-cultural. É
resultante de um estudo de caso, com abordagem qualitativa, contendo como amostra quatro docentes do
curso de licenciatura em Matemática, sendo dois pertencentes ao quadro de professores da Universidade do
Sul de Santa Catarina – Tubarão – SC e dois da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Criciúma – SC.
O objetivo geral constituiu-se em analisar a função destes

profissionais na formação do futuro professor
de Matemática, diante das situações existentes no cotidiano escolar. Por meio da análise de conteúdo,
observou-se que os entrevistados apontam que inicialmente compartilhavam das mesmas concepções de
seus professores da graduação, ou seja,
fi liando-se às tendências formalistas com interfaces na tecnicista.
Porém, segundo suas falas, há indícios que as opções teórico-metodológicas dos formadores, atualmente,
se aproximam das tendências empírico-ativista, construtivista e histórico-cultural. O trabalho sugere
que as modificações
no olhar frente ao processo de ensino e aprendizagem e as opções metodológicas
ocorreram pela disposição dos formadores de buscar subsídios teóricos e práticos nas oportunidades de
formação continuada que vivenciaram depois da graduação.

PALAVRAS-CHAVE:
Formadores. Professores de Matemática. Concepções de ensino.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Nas últimas décadas, a formação de professores no Brasil e no resto do mundo tem sido motivo
de grandes interrogações devido às várias mudanças sociais, políticas e econômicas. Há necessidade
de adequar a formação dos professores a uma realidade que, submetida a um constante processo
de inovação, gera novas propostas educacionais e curriculares.
De acordo com Fiorentini e Castro (2003), a formação do professor de Matemática precisa
ser pautada na articulação entre teoria e prática, entre o saber especí
fi co vinculado a um saber
pedagógico. O saber matemático e o saber pedagógico devem estar articulados de modo que
conteúdos e formas possam melhor interagir na formação docente.
Os cursos de formação de professores, nos últimos anos, foram motivos de discussões e de
críticas por vários autores e estudiosos que, ao analisarem o sistema de ensino, veri
fi caram uma série
de deficiencia. Uma das condições citadas constantemente necessária para melhorar a qualidade
da escola seria fornecer uma formação inicial mais adequada às demandas educativas atuais e à
realidade contemporânea.
Diversos autores, entre os quais D’Ambrósio (1996), Fiorentini e Miorim (2001), a
firmam que os problemas das licenciaturas não serão resolvidos apenas com mudança de currículo, mas na
amplitude que caracteriza a construção de valores construídos pelo professor. É importante ressaltar
que o futuro professor necessita adquirir uma série de conhecimentos que se completam com
experiências vividas na escola, após terminar a licenciatura.
No Brasil, os primeiros cursos de formação de professores foram criados pela Universidade de São Paulo em 1934, e eram oferecidos nas Faculdades de Filosofia
Nesta época, os professores que
lecionavam Matemática nos cursos de licenciaturas se preocupavam apenas com a transmissão do
conteúdo matemático, desprezando as questões pedagógicas, tão importantes e essenciais para a
construção do conhecimento. Com a reforma universitária, Lei 5.540, os Cursos de Licenciaturas em
Matemática passaram a ser desenvolvidos nos Institutos e nos Departamentos de Matemática.
Os primeiros professores de Matemática nos cursos de licenciaturas, em sua maioria, eram
engenheiros oriundos das academias militares e Escolas Politécnicas. Estes professores possuíam
uma sólida bagagem do conhecimento matemático, mas nenhuma formação pedagógica. Muitos dos
nossos professores foram formados por Mestres que obtiveram sua formação nas décadas de 1970
em diante, sofrendo forte in
fluência da concepção conteudista, que, apesar de ter sido superada em
nível de discursos e inúmeras pesquisas sobre educação e a formação dos professores, permanece
viva e rege as práticas de ensino na maioria das nossas salas de aula (D’AMBRÓSIO, 1996).
É necessário que se pense na formação do professor que vai ensinar Matemática em ampla
dimensão, pois sentimos a ausência de alguns aspectos nesta formação que promovam as imersões
culturais, sociais e políticas do professor no mundo, aspectos estes apresentados com grande
destaque nos documentos que norteiam a prática pedagógica, como a Proposta Curricular de Santa
Catarina e os PCN’s.
A necessidade desse estudo parece então se justi
fi car, na medida em que permite esboçar uma
caracterização da prática do professor a partir de seus próprios discursos, bem como as implicações no
panorama atual do ensino superior, trazendo possivelmente uma contribuição para a discussão mais ampla
que perpassa o contexto atual de mudanças necessárias na formação inicial do professor de Matemática.


PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


Para cumprir os objetivos pretendidos, foi realizada uma pesquisa estudo de caso com abordagem
qualitativa que investigou as concepções de ensino e a postura pedagógica a partir dos percursos
procissionais

dos formadores de professores de Matemática.
De
fi nido o problema da investigação, entendeu-se que a sua natureza nos aproxima da pesquisa
qualitativa do tipo estudo de caso que pode ser caracterizado:
[...] como o estudo de uma entidade bem de

fi nida, como um programa, uma instituição, um


sistema educativo, uma pessoa, ou uma unidade social. Visa conhecer em profundidade o

seu “como” e os seus “porquês”, evidenciando a sua unidade e identidades próprias. É uma

investigação que se assume como particularística, isto é, que se debruça deliberadamente sobre

uma situação especí

fi ca que se supõe ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que


há nela de mais essencial e característico. (PONTE, 2006, p. 2).


Na Educação Matemática, segundo Ponte (2006, p. 3), “os estudos de caso têm sido usados

para investigar questões de aprendizagem dos alunos bem como do conhecimento e das práticas

pro

fi ssionais do professores, programas de formação inicial e contínua, projetos de inovação


curricular, novos currículos, entre outros.” Em relação à abordagem qualitativa:


[...] ela trabalha com o universo de signi

fi cados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes,


o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que

não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1998, p. 21-22).


Optou-se pela análise de conteúdo embasada em Minayo (1998). Tal procedimento, segundo a

autora, tem como

fi nalidade interpretar o que foi exposto por meio da verbalização dos entrevistados,


e ainda o que está subentendido nas respectivas falas coletadas durante a pesquisa. A partir desse

entendimento, elegeu-se como instrumento de coleta de dados uma entrevista, realizada a partir

de um roteiro semiestruturado, contento perguntas abertas.

Os sujeitos da pesquisa foram quatro formadores de professores que trabalham na Universidade

do Sul de Santa Catarina e na Universidade do Extremo Sul Catarinense, ministrando disciplinas que

envolvem cálculos. Utilizou-se a primeira inicial dos nomes para referenciá-los, sendo estes:

• Professor V.: Possui mestrado na área de Engenharia de Produção. Leciona a disciplina de

Sequências Numéricas e Séries, já trabalhou também com as disciplinas de Cálculo I, Estágios, Práticas de

Ensino, Fundamentos de Matemática e operou ainda em outros cursos, como Contabilidade, Administração,

Economia, entre outros. Atualmente vinculado à Universidade do Extremo Sul Catarinense.

• Professor N.: Hoje trabalha com as disciplinas de Trigonometria e Números Complexos,

Tópicos de Matemática Elementar e Estágio e já trabalhou Cálculo I, Matemática Financeira e Métodos

Numéricos. Vinculado à Universidade do Extremo Sul Catarinense.

• Professor B.: Atualmente leciona Geometria I, Geometria II e Tópicos de Matemática

Elementar e já trabalhou com as disciplinas Cálculos I e II. Possui especialização em Matemática

Pura. Vinculado à Universidade do Sul de Santa Catarina.

• Professora J.: Mestre em Ciências da Linguagem na área de Semiótica. Hoje lecionando na

Universidade as disciplinas de Práticas de Ensino, Análise Matemática, Estágio IV, Cálculos I e II, e já

trabalhou com Fundamentos de Matemática. Vinculada à Universidade do Sul de Santa Catarina.


ANÁLISE DE DADOS


Foram entrevistados quatro professores – V., J., N. e B. – que lecionam disciplinas de conteúdo

matemático. V. atua como docente do ensino superior há aproximadamente dez anos; J. atua há


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seis anos; N., há oito anos; e B., há quatro anos. Buscamos compreender as concepções adquiridas/

reforçadas durante a formação inicial dos formadores e as mudanças que se deram ao longo do

percurso pro

fi ssional.


CONCEPÇÕES INICIAIS DOS FORMADORES


É muito forte, entre os docentes investigados, a evidência de que foram formados dentro de

uma tendência conteudista com ênfase na educação tradicional, que, segundo Mizukami (1990),

visava ao acúmulo de informações por parte dos alunos, que deveriam adotar uma postura acrícita

em relação ao conhecimento.

Conforme Freire (2000), o aluno e

fi ciente, neste período, seria aquele que reproduzia de forma


mecânica o que lhe era transmitido pelo professor, ou seja, por meio de uma educação bancária que

enfatizava uma espécie de “depósito” por parte do professor e “saque” que deveria ser fornecido pelo

aluno. Certamente esta tendência in

fl uenciou a formação dos entrevistados, mais especifi camente


frente aos procedimentos e às estratégias de ensino adotadas por seus formadores. Tal entendimento

é explicitado na fala de J.:


Como eu sou formada numa época bem tecnicista, na escola tradicional, a minha formação foi muito

voltada para a parte conteudista, embora que eu tivesse grandes mestres na minha vida, levando

deles a forma de ser, a forma de trabalhar em sala de aula e a humildade de tratar os alunos. No

entanto que eu tenho muito mais coisas positivas que as negativas eu nem me lembro.


No que diz respeito ao ensino de Matemática, o tecnicismo mecanicista procura reduzir a

Matemática a um conjunto de técnicas, fragmentando os conteúdos. Nesta tendência, destaca

Fiorentino (1995) que se exploram a memorização, as habilidades de manipulação de algoritmos e

as habilidades na resolução de problemas. Raramente o aluno precisa explicar, ilustrar ou construir

modelos matemáticos. A

fi nalidade maior, conforme Saviani (1998), é a supervalorização da prática


em detrimento da teoria, preparando os alunos para o mercado de trabalho, que neste período exigia

mão de obra apta às atividades industriais. No contexto da Matemática, Fiorentini (1995) a

fi rma:


[...] a concepção de matemática que continua prevalecendo é a formalista, que, combinada com

o tecnicismo, traduz-se na prática, na sala de aula, em treino e desenvolvimento de habilidades

estreitamente técnicas. Não importam os signi

fi cados matemáticos dos conceitos. O importante


é o desenvolvimento de habilidades.


As relações afetivas, tais como debates e questionamentos, tornam-se desnecessários e, desse

modo, o professor apenas apresenta os conceitos e os conteúdos preestabelecidos por órgãos

governamentais, fazendo com que os alunos tornem-se meros receptores do que lhes é imposto

(CARDOSO, 2007).

O predomínio do formalismo tecnicista (FIORENTINI, 1995, p. 112) é destacado também pelo

professor B.:


Eu fui para universidade federal, entramos lá praticamente com 40 alunos e saímos de lá apenas

com 2 alunos. Para mim foi interessante a formação na Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), porque o comportamento é diferente do nosso. A federal elitiza. Deixa de lado a parte

afetiva. Você sai de lá com uma viseira, praticamente com o objetivo de reprovar, perde-se a

parte humana.


A fala sugere um ensino de Matemática excludente. Somente os supostamente mais inteligentes

conseguiam avançar na formação. O bom desempenho em Matemática representava um critério

avaliador da inteligência dos alunos e que nem todos tinham condições de possuí-lo. A Matemática

é vista como um

fi ltro social, isto é, o conhecimento é entendido como conjunto seletivo da cultura,


aprovada socialmente (FIORENTINO, 1995).

Percebemos que os formadores do professor B., segundo sua fala, focavam aos futuros

professores, a necessidade de possuir habilidades lógicas para transmitir conteúdos matemáticos,

com a

fi nalidade de aprovação ou reprovação dos alunos. Há indícios nas falas dos professores


entrevistados que, durante a formação inicial, os seus formadores não consideravam as relações

existentes entre professores e alunos, não valorizavam o conhecimento prévio trazido pelos alunos


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e que, principalmente, entendiam que, para ser um bom professor, bastava saber Matemática. A

centralidade do conteúdo na formação do professor é destacada pelo professor V.:

Eu tinha uma professora em especial que dizia sempre que a grande di

fi culdade de ser professor


de matemática é a falta de conteúdo dos professores.


Os formadores dos docentes entrevistados posicionavam-se de maneira estática quanto aos

saberes escolares. A Matemática foi apresentada aos futuros professores como um produto

pronto e acabado, tal como é concebido nos formalismos clássico e moderno, ao advogar que

essa ciência não deve ser apreendida em seu processo de produção e transformação (SANTA

CATARINA, 2005).

O tecnicismo, ao embasar-se no funcionalismo, parte da idéia de que a sociedade é um sistema

tecnicologicamente perfeito, orgânico, funcional e controlável. Não busca desvendar como os

conceitos matemáticos se construíram historicamente. Além disso, não é preocupação desta

tendência formar indivíduos não alienados, críticos e criativos, que saibam situar-se historicamente

no mundo. (FIORENTINI, 1995, p. 95).


Percebemos que os professores dos sujeitos da pesquisa possuíam uma concepção que fundia

a formalista e a tecnicista. Do ponto de vista pedagógico, baseado em Saviani (1998), podemos

inferir que se

fi liavam à Pedagogia Tradicional.


MUDANÇAS AO LONGO DO PERCURSO


Após investigarmos os re

fl exos da formação inicial, solicitamos que os docentes falassem sobre


os motivos que os

fi zeram optar pela profi ssão professor de Matemática, o que parece depender,


segundo os entrevistados, principalmente, da boa relação com essa ciência como estudante da

educação básica. Vejamos as respectivas falas dos professores J., N. e B.:

“Em virtude da minha facilidade, do meu raciocínio lógico matemático e conversando com meu

professor, ele me aconselhou a fazer um curso de Matemática para eu então ser professora, pois

isso era su

fi ciente naquele tempo.”


“Eu sempre tive facilidade de trabalhar com números e com cálculos. Daí eu optei por fazer um

curso de matemática pelo fato dessa a

fi nidade.”


“Na época, tinha um salário muito bom e eu gostava muito de Matemática, daí veio o encontro

do gostar com o salário, e, em função disso, veio o interesse pela pro

fi ssão.”


As falas dos depoentes remetem a um entendimento que antes de iniciarem a graduação, a

concepção de ciência vigente era a formalista, com a Matemática limitada a números e fórmulas e

ancorada em algoritmos.

A pesquisa de Lucion (2009), a qual teve como amostra dezesseis professores licenciados

em ciências naturais, sendo quatro da Matemática, apresentou que não raramente o interesse

inicial destes pro

fi ssionais é voltado especifi camente para o desenvolvimento de cálculos e demais


conteúdos da sua área de formação. Alguns chegam citar que o “tornar-se” professor foi mais um

oportunidade no mercado de trabalho do que uma opção propriamente dita. Um dos licenciados

em Matemática relata:


[...] ser professor acaba sendo uma conseqüência, você não entra na maioria das vezes pra ser

professor, tu acaba virando professor no

fi nal do curso até por falta de outras possibilidades, é o


que tem pra trabalhar. Então as outras disciplinas (referindo-se às disciplinas pedagógicas) você

acaba fazendo mais por obrigação. (LUCION, 2009, p. 106, grifo da autora).


Buscando entender e compreender a concepção de ensino dos professores formadores

entrevistados, procuramos esclarecer o que é ser um bom professor de Matemática para cada um

deles. Há formadores que entendem que, para ser um professor “bem sucedido”, é fundamental

garantir a aprendizagem dos conteúdos, como sugere a fala do professor V.: “É conseguir fazer com

que os alunos aprendam Matemática”.

Entendemos que é fundamental que os estudantes aprendam Matemática. Entretanto,

concordando com Saviani (1998), o professor deve vislumbrar, juntamente com a aprendizagem,


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a formação de um cidadão crítico e capaz de organizar seus pensamentos, a

fi m de ter um


comprometimento social. A ideia de que a centralidade da escola está na mera transmissão de

conhecimento é combatida por Libâneo (1990). Para o autor, a escola não deve se limitar a transmitir

conhecimentos disciplinares para a formação geral do aluno, formação esta que o levará, ao inserirse

futuramente na sociedade, a optar por uma pro

fi ssão valorizada. Na maioria das escolas essa


prática pedagógica se caracteriza pela sobrecarga de informações que são veiculadas aos alunos,

o que torna o processo de aquisição de conhecimento, muitas vezes, burocratizado e destituído de

signi

fi cação. Percebemos a representação destas colocações na seguinte fala do professor V.: “É


comum agente escutar nos conselhos de classe que temos que formar alunos ‘cidadãos críticos’,

porém o que se faz ainda é passar os conteúdos todos ‘mastigados’, eles decoram e repetem aquilo

sem um empenho próprio”.

Encontramos formadores que vislumbram uma formação mais ampla. Entendem que não basta

saber Matemática, como aponta a fala da professora J.:


Eles estão num período de formação que devem entrar em contato com diversos elementos que

dizem respeito a ser educador, não é só a parte didática, também não é só ser humano. Ser

professor de matemática é um conjunto que envolve saber lidar com os objetos em sala de aula,

ser gente e olhar para os alunos dele e entender como gente e fazer o aluno sair da sala de aula

gostando de ser professor e que pense que ser professor é maravilhoso todos os dias.


Há índicos que J. apresenta uma concepção diferente daquelas que predominavam em sua

formação inicial. Porém sua fala

fi nal “fazer com que os graduandos de matemática saiam da sala


de aula pensando que ser professor é maravilhoso ‘todos os dias’”, acaba manifestando uma imagem

que não é condizente com o cotidiano escolar.

Nosella (1981) destaca que este tipo de “ilusão” transmitida na formação faz parte dos interesses

da sociedade capitalista manifestos na educação, em “camu

fl ar” a verdade, tentando causar um


sentimento de satisfação/conformidade, quando na realidade vivenciada não é tão bela quanto

passada. Ainda sim, consideramos legítimo e importante a valorização do fator humano em sala de

aula, representado na fala de J., em conformidade com a visão da psicologia humanista que trouxe

contribuições signi

fi cativas para a área da educação.


Muitos formadores, como sugere Fiorentini (1995), ao considerarem fundamental que o

aluno se torne agente do processo, devendo o professor limitar seu papel a orientar ou facilitar a

aprendizagem, se aproximam do ideário construtivista.


O ensino de matemática nesta tendência fundamenta-se no fato de que o aluno “aprende fazendo”. O

professor neste contexto, passa a ser um auxiliador no desenvolvimento livre de seu aluno, passando

a enfatizar menos as estruturas internas da Matemática para que, dessa forma, não gere desinteresse

no aluno. Defende ainda a idéia de que a matemática está presente no próprio mundo natural e

material em que vivemos. Assim, o conhecimento matemático surge do mundo físico e é percebido

pelo homem através dos sentidos. É pela manipulação e visualização de objetos ou atividades práticas

que ocorre uma aprendizagem efetiva da Matemática. (CARDOSO, 2007, p. 82).


Os formadores de professores de Matemática entrevistados perceberam que é necessário

modi

fi car o olhar frente à educação. Com esse entendimento, buscaram depois da graduação superar


as concepções de seus professores, pois as consideram inapropriadas na contemporaneidade. A

busca de subsídios se materializou em ações de formação continuada ou em leituras de artigos e

livros relacionados à educação e à educação Matemática. Desta forma, o entrevistado N. sugere que

os futuros professores busquem ao longo de suas vidas pro

fi ssionais elementos que potencializem


suas práticas pedagógicas:


[...] fazem o curso de matemática porque têm a

fi nidade com as exatas e além do conhecimento


que já trazem consigo é preciso um aprimoramento. Primeiro pela questão da formação, até por

que, com as novas tecnologias, as mudanças estão ocorrendo com uma velocidade astronômica e

têm que estar sempre se preparando. Ai entra a questão da formação continuada para que eles

possam sempre estar correspondendo às mudanças que irão ocorrer na sociedade.


O desejo de mudar é explicitado por J., que percebe a necessidade de ampliar seus conhecimentos

matemáticos e pedagógicos ao vislumbrar o doutorado:


Eu penso que a minha formação continuada ela acontece todos os momentos em sala de aula

e acima de tudo, na busca por leituras diárias. Mas falando em formação continuada em nível

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de pós-graduação, de mestrado ou Doutorado que por sinal é minha próxima intenção, tenho

participado de seminários e à medida que eu vou trabalhando com a formação de professores

vou me atualizando.


Se admitirmos que as concepções de ensino dos formadores dos formadores entrevistados não

estão mais de acordo com o desempenho e o papel pro

fi ssional do professor de Matemática hoje,


podemos perceber que os formadores pesquisados mudaram em alguns aspectos as atitudes relativas

à postura metodológica e às relações estabelecidas com os acadêmicos do curso de Matemática-

Licenciatura, futuros professores.

Esse entendimento pode ser veri

fi cado na fala da professora J. “Para ser um professor de


matemática, acima de tudo ele tem que ter os elementos de formação humana, domínio de conteúdo,

bom relacionamento com os alunos e controle emocional.”

As falas parecem remeter ao entendimento que o processo de elaboração e apropriação do

conhecimento pelo futuro professor de Matemática não se dá por meio da transmissão de verdades

prontas e acabadas, mas, principalmente, pelo intuito do formador em oportunizar ao aluno o pensar

e o re

fl etir sobre o conhecimento de forma dinâmica, contextualizada e situada historicamente.


O objeto do conhecimento é social e é determinado pelas relações humanas. A aprendizagem

precede ao desenvolvimento. O bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento mediante

aprendizagens signi

fi cativas, aplicáveis em outras circunstâncias e situações da vida. (SANTA


CATARINA, 2005).


Nessa linha de pensamento, segue o raciocínio do professor B.:


Além de eles construírem o conhecimento é importante os fazer trabalhar em equipe. A questão

da humildade também é importante, que o futuro professor de matemática busque no seu colega

de pro

fi ssão, uma esperança num problema que ele pense que não tenha solução.


A fala a seguir, do professor B., demonstra a in

fl uência da escola nova em seu discurso, na


medida em que acredita que as práticas educativas devem partir dos interesses de cada aluno. Ao

a

fi rmar “a hora que o aluno está pronto”, também representa a importância destacada à maturidade


deste, o que também nos remete ao construtivismo, em especial a Piaget (1989), que a

fi rma a


aprendizagem ser dependente da maturidade biológica da criança.


Não, ninguém ensina ninguém, o que agente faz é orientar para o estudo, por que na verdade o

professor que ensina ele não ensina nada. A hora que o aluno está pronto para abrir um livro e

realmente estudar e entender o que está no livro ele esta apto para trabalhar. (Professor B.)


Porém

fi zemos ressalvas, pois nem sempre o que é evidenciado por meio da fala é vivenciado


como prática docente. Para tal a

fi rmação, seria necessário o contato direto com o ambiente em sala


de aula, para que se observasse o direcionamento dado pelo docente dos cursos de licenciaturas

em Matemática.

Na busca de superar as mazelas da escola tradicional, criou-se por meio da escola nova a

visão de que “o professor não é aquele que ensina, o currículo não é constituído de conteúdos de

valor universal e o aluno deve aprender a buscar por si próprio os conhecimentos ou informações

que tenham utilidade para seu cotidiano” (DUARTE, 2006, p. 100-1). Tal perspectiva causou, por

volta dos anos de 1960, em especial no Brasil, uma sensação de insegurança, na medida em que

a maioria das escolas públicas não possuía um espaço e nem estrutura para atender aos alunos de

acordo com a nova proposta educacional.

Neste sentido, devido às frustrações vivenciadas, novas perspectivas surgem com vistas à

melhoria do ensino-aprendizagem, incluindo o ensino de Matemática.


Destaca-se o entendimento de que todos são capazes de aprender Matemática e que para tal é

fundamental que se tenha uma concepção de Educação Matemática “entendida como uma postura

político-ideológica de quem se propõe a ensinar Matemática, o que implica na compreensão de

que todos têm o direito de se apropriar do conhecimento matemático sistematizado e de que é

dever da Escola a sua socialização”. (SANTA CATARINA, 1998, p. 106).


Fiorentini (1995) e Saviani (1998), entre outros autores, anunciam como tendência emergente

para o século XXI a pedagogia histórico-crítica, que se caracteriza por uma postura crítica e re

fl exiva


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diante do saber escolar, do processo ensino-aprendizagem e do papel sociopolítico da educação

escolarizada. De acordo com o olhar da pedagogia histórico-crítica, encontramos indícios no discurso

do professor N.


Eu costumo dizer aos alunos “que se está muito fácil é porque tem alguma coisa errada”. A

aprendizagem envolve também o esforço, assim como a construção da crítica. Contextualizar

a matemática com a vida social, cotidiana exige primeiramente saber a matemática. E isto é

também ensinar a pensar criticamente.


A apropriação do conhecimento é concebida como atividade inseparável da prática social. “É o

processo que, partindo da prática, leva a aprender a realidade objetiva para, em seguida aplicar o

conhecimento adquirido na prática social para transformá-la” (LIBÂNEO, 1990). Para este autor, a

postura pedagógica é admitir um conhecimento autônomo, assumindo o saber como relativamente

objetivo, porém inclui a possibilidade de uma reavaliação crítica. Assim, o papel do professor é o de

permitir o acesso do aluno aos conteúdos, sempre que pertinente, ligando-os com sua experiência

concreta, e proporcionar elementos de análise crítica que os ajudem a ultrapassar a experiência

em que lhe é incutida pelas forças da ideologia dominante. O professor V. demonstrou, durante a

entrevista, certa insatisfação com a incoerência entre discurso acadêmico e a prática docente no

ensino superior propriamente dita:


Embora a universidade venha com este discurso de formar um aluno crítico e independente, o

que ainda se espera na prática é o aluno pací

fi co, que não contraria e que não faz críticas. A


crítica não deveria, mas ainda incomoda muitos pro

fi ssionais professores. Eu mesmo só tive


consciência disto após os meus estudos contínuos com pesquisa na área da educação, mas

ainda assim, tem pro

fi ssionais meus colegas que buscam formação continuada fora da área da


educação e ai já percebemos diferenças.


Para Saviani (2009), uma teoria revolucionária crítica deve empenhar-se para colocar a educação

a serviço da transformação das relações de produção. Se o objetivo é privilegiar a aquisição do saber

para vincular às realidades sociais, é preciso que o método de ensino favoreça a correspondência dos

conteúdos com os interesses dos alunos, não só como entende a Escola Nova, mas apropriados de

uma forma tal que lhe deem signi

fi cado e sentido - social, histórico e pessoal - para o desvelamento


das contradições e a compreensão da realidade (prática social).


CONSIDERAÇÕES FINAIS


As in

fl uências das pedagogias, as abordagens e as tendências em educação Matemática deram


signi

fi cado para a análise das concepções de Matemática, de ensino e de aprendizagem supostamente


adotadas por esses professores. As análises mostram diferentes concepções metodológicas no que

se refere à prática docente.

Aproximar-se das concepções que compõem o ideário pedagógico dos formadores e sua relação

com o contexto social contribui não somente para o entendimento das ideologias subjacentes à

prática docente, mas, sobretudo, em relação à formação crítica destes e o caminho percorrido para

que surgissem modi

fi cações no olhar frente o processo de ensino-aprendizagem no contexto da


Matemática.

Podemos perceber que as concepções de ensino e aprendizagem não são apresentadas de forma

distinta uma da outra com facilidade. Existe uma relação próxima entre as tendências e isso acaba

sendo um obstáculo para a compreensão das concepções adquiridas por esses formadores ao longo

do processo de formação. Entretanto, depois de uma leitura atenta das falas dos formadores, as

tendências foram se descortinando.

O presente estudo sugere que ocorreram mudanças signi

fi cativas nos processos de formação dos


futuros professores de Matemática, pois há indícios que

fi zeram sua graduação em uma época em


que predominava a tendência tecnicista e com uma concepção de Matemática formalista. No entanto

veri

fi camos que o que pensam hoje em relação ao movimento de ensinar e aprender Matemática não


converge com as concepções de seus formadores. Existe, atualmente, uma preocupação por parte

dos formadores, pelo menos em nível de discurso, não só com a parte Matemática, mas também

com a formação pedagógica; trabalhando além de conteúdos matemáticos, a parte humana, aliada

com as práticas utilizadas para a apropriação dos conteúdos por parte dos alunos.


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O trabalho sugere que as mudanças nas concepções e as opções metodológicas ocorreram

pela disposição dos formadores de buscar subsídios teóricos e práticos nas oportunidades

de formação continuada que vivenciaram depois da graduação. Desta forma, destacamos a

importância de uma formação teórica sólida nas áreas da Educação e da Matemática que deve

acontecer durante a graduação.

O estudo de caso em questão permitiu visualizar a ligação das práticas pedagógicas dos

docentes entrevistados com suas respectivas concepções. Porém ressaltamos que seria necessária

uma pesquisa mais abrangente que incluísse observações e/ou investigações por meio do quadro

discente dos cursos de licenciatura em Matemática, para veri

fi car a coerência entre o discurso


apresentado e a prática vivenciada em sala de aula. Deixamos tal possibilidade como sugestão de

futuras pesquisas que visem ampliar a temática.


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Artigo recebido em 08/03/2011

Aprovado em 17/06/2011