Contato

Criciúma/SC - Email: prfvirtual@gmail.com

O GP

Minha foto
Com a saída do professor Paulo Rômulo de Oliveira Frota da UNESC, o Grupo de Pesquisa passa a ter esta nova configuração.

quarta-feira, agosto 24, 2011

A FORMAÇÃO DOS LICENCIADOS EM CIÊNCIAS NATURAIS E A DISCIPLINA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

 Cibele da Silva Lucion (Universidade do Extremo Sul Catarinense – Criciúma - SC)
Paulo Rômulo de Oliveira Frota ((Universidade do Extremo Sul Catarinense – Criciúma - SC)

Resumo: O presente artigo resultou de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa. O objetivo geral constitui-se em analisar a importância da disciplina Psicologia da Educação na formação docente dos licenciados em Ciências Naturais (Química, Física, Matemática e Biologia). A Psicologia da Educação pertence ao quadro de disciplinas pedagógicas dos cursos de licenciaturas pesquisados e tem, dentre outras finalidades, a de oferecer aporte teórico e prático sobre as teorias da aprendizagem, desenvolvimento humano, aspectos psicológicos influentes no processo de ensino e aprendizagem, relacionamento interpessoal no contexto escolar e subjetividade humana. Concluiu-se que embora a maioria dos entrevistados considere a disciplina Psicologia da Educação importante em sua formação, faltam argumentações que justifiquem tal importância. Além disto, foram apontadas críticas sobre a falta de contextualização desta com a realidade prática dos licenciados em Ciências Naturais. Palavras-chaves: Psicologia da Educação, Formação docente, Ciências Naturais. Contextualização A Psicologia da Educação, conforme Salvador (1999) originou-se da filosofia. Por influência da tendência positivista, se desvincula desta área na tentativa de tornar-se uma ciência autônoma com objetos de estudos próprios. Passa a ser denominada como Psicologia da Educação no início do século XX, sendo descrita como a área do conhecimento que aplicava os conceitos e contribuições da Psicologia Clínica a Educação, especialmente para o contexto do ambiente escolar.

Guedes (2002) aponta que por volta de 1960 a disciplina Psicologia da Educação juntamente com outras pedagógicas, passa a ser requisito obrigatório nas grades curriculares dos cursos de licenciatura do Brasil e até então, embora não mais citada na legislação como obrigatória1, tal disciplina faz parte da formação dos futuros docentes.

1 A lei de Diretrizes e Bases Nacionais que está em vigor para os cursos de licenciaturas não cita mais os títulos das disciplinas, no lugar disto, apresenta conteúdos que devem ser dominados pelos futuros licenciados. Alguns destes conteúdos são trabalhados na Psicologia da Educação e ou Psicologia da Aprendizagem.

2

A disciplina Psicologia da Educação, neste contexto, surge com a finalidade de possibilitar aos educadores os conhecimentos sobre desenvolvimento humano, incluindo as questões físicas/psicológicas e o processo de ensino e aprendizagem. As teorias estudadas por meio das correntes psicológicas permitiriam a aproximação do professor com os fatores interferentes nestes processos, considerando aspectos históricos, culturais e cognitivos. Porém, Gatti (2003) destaca que tais expectativas, de superar todas as dificuldades do meio escolar por intermédio da Psicologia da Educação, foram frustradas. A partir disso houve um longo período entre os anos 70 e 80 de fortes críticas. Entre meados dos anos 80 e início dos anos 90, afirma Gatti (2003), a Psicologia da Educação amplia sua abrangência, vinculando-se a outras áreas e adotando uma postura interdisciplinar, especialmente no âmbito da pesquisa. Optou-se como amostra de dados a entrevista com licenciados em Ciências Naturais, devido algumas particularidades no ensino desta área: os cursos de Matemática, Física, Biologia e Química habilitam para a atuação no ensino médio, e, portanto, a maioria dos licenciados atua neste. Considerou-se assim, a importância de pesquisar se a disciplina Psicologia da Educação tem contextualizado seus conceitos com a realidade da atuação no ensino médio. Além disto, o ensino de Ciências Naturais trabalha com conceitos universais, isto é, o conceito de célula da Biologia é o mesmo estudado, independente da cultura e ou região onde a escola está inserida. Já as outras áreas como a Ciências Humanas, trabalham com conceitos que podem ser distintos conforme o olhar sobre o assunto, a cultura e a realidade. Como exemplo o conceito de “família”, de “sociedade”, que não são únicos. Neste sentido, justifica-se a necessidade de investigar como a disciplina tem sido cursada pelos licenciados em Ciências Naturais, analisando se a Psicologia da Educação ministrada nas universidades busca contextualizar os conteúdos ministrados com a realidade do ambiente de atuação dos futuros docentes: a escola, em especial frente à sociedade/educação onde estamos inseridos na atualidade. Procedimentos metodológicos Tipo e abordagem de pesquisa

3

O modelo adotado foi o estudo exploratório, de abordagem qualitativa. Utilizou-se a análise de conteúdo como técnica de interpretação dos dados coletados. A pesquisa exploratória segundo Lakatos e Marconi (2006) tem como finalidade, aprofundar o nível de conhecimento sobre determinada temática, assunto e ou realidade. A abordagem qualitativa, não tem caráter mensurável, e conforme Silva e Silva (2007), possui como principal técnica a interpretação dos fenômenos, a atribuição de significados, as observações e análises dos mesmos. Amostra A amostra foi constituída por 16 professores, sendo 4 de cada disciplina da área de Ciências Naturais (Matemática, Física. Química e Biologia), que atuam no ensino médio da rede estadual de Criciúma - SC. Foram entrevistados professores de três escolas estaduais. Quanto a formação: um com doutorado completo, um com mestrado completo, três com mestrado em andamento, cinco com pós-graduação (especialização) completa, três com pós-graduação em andamento e três possuem a graduação. No artigo os entrevistados são citados da seguinte forma: Licenciados em Matemática (M1, M2, M3 e M4), Biologia (B1, B2, B3 e B4), Química (Q1, Q2, Q3 e Q4) e por fim os licenciados em Física (F1, F2, F3 e F4). Instrumento de coleta de dados Aplicou-se uma entrevista semi-estruturada contendo dez questões abertas, buscando alcançar os objetivos da coleta. A entrevista constitui-se na coleta de dados, onde o pesquisador se coloca diante do entrevistado como ouvinte, buscando registrar os relatos de maneira ética e fiel às colocações deste. Quanto a caracterização da entrevista semi-estruturada corresponde a uma seqüência de perguntas organizadas previamente e que possui a finalidade de nortear os objetivos que se pretende alcançar com a pesquisa. Neste contexto, Boni e Quaresma (2005, p. 75) caracterizam as entrevistas semi-estruturadas:

As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas,

4

mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. Analise de dados Um dos questionamentos centrais da entrevista com os licenciados em Ciências Naturais foi sobre a importância da disciplina Psicologia da Educação na formação e prática docente. Conforme Salvador (1999), Wisnivesky (2003), Goulart (2000), Kelly (1968), entre outros, a disciplina Psicologia da Educação possui contribuições significativas na formação docente. Dentre as contribuições e temáticas vistas na disciplina, Guedes (2009, p. 96) aponta: Desenvolvimento da criança e do adolescente; aprendizagem; compreensão dos motivos, afetos e influências socioemocionais na aprendizagem; relações sociais e pedagógicas e sua importância para a aprendizagem dos atores do cenário educacional e para seu equilíbrio emocional; processos psicossociais de formação do sujeito (criança ou adulto); aprendizagem escolar e não-escolar, envolvimento com a aprendizagem e com o conhecimento, com o outro e com a sociedade; aprendizagem da comunicação, compromisso com a própria formação, compromisso e solidariedade com o outro e com o humano-genérico [...].

Porém, historicamente a Psicologia da Educação também foi alvo de críticas por estudiosos da educação que conforme Patto (2003) não concordavam com o olhar determinista e reducionista desta área diante das questões educacionais. Tais críticas referiam-se também a tendência de se patologisar2 o fracasso escolar, e as tentativas de adaptar e curar (Psicologia curativa e adaptativa) as crianças oriundas de classes sociais subalternas que foram inserias no ensino público.

Por volta dos anos de 1970 e 1980 são realizadas pesquisas que buscavam superar este período de crise ente Psicologia e Educação. Gatti (2003) afirma que a

2 Tendência de considerar a causa do fracasso escolar de crianças e jovens uma patologia, doença, algo genético, reduzindo ao máximo a responsabilidade social e escolar frente as dificuldades de aprendizagem.

5

partir disto, a Psicologia da Educação se aliou a outras áreas do conhecimento com a finalidade de ampliar o seu olhar frente os fenômenos educacionais. Por meio de estudos interdisciplinares (Psicologia, Antropologia, Sociologia, Ciências Políticas e outras) a visão reducionista aos poucos foi se expandindo, considerando além dos aspectos individuais no desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo, os aspectos sociais e culturais nestes processos. Atualmente a Psicologia da Educação enquanto área possui um campo vasto de teorias que trazem contribuições sobre os fatores psicológicos interferentes nos processos de ensino e aprendizagem. O fato é que a Psicologia não possui uma unidade teórica, compõe-se de diferentes “psicologias”, que buscam diferentes olhares e partem de objetos diversos. Ao passo que Skinner busca, por meio do Behaviorismo, entender o comportamento compreendendo a relação do indivíduo com o meio, objeto de estudo de Piaget é o pensamento lógico-matemático, procurando compreender como se dá o desenvolvimento do pensamento lógico. Por sua vez Vygotsky fundamenta-se na teoria histórico-cultural para conhecer as funções psicológicas superiores, típicas da espécie humana, Freud direciona seus esforços ao inconsciente, e como estes, muitos outros pesquisadores vão traçando múltiplos caminhos. (WISNIVESKY, 2003, p. 32). A disciplina Psicologia da Educação nos currículos das licenciaturas passou a ser obrigatória nos anos de 1960. As diretrizes e bases nacionais citavam, dentre outras disciplinas pedagógicas, a Psicologia da Educação. Guedes (2002) coloca que por influência da Escola Nova, as questões de ordem biológicas e psicológicas passam a ser supervalorizadas no ensino, e conseqüentemente, refletindo na formação docente, a qual passa a ter como propósito preparar os futuros professores para atuarem diante das questões biopsicológicas dos alunos. Diante do exposto, faz-se necessário conhecer como a disciplina Psicologia da Educação dos currículos de licenciatura tem sido trabalhada na atualidade. Vejamos algumas pesquisas acerca da importância desta disciplina no formação docente.

Bergamo (2004) constatou através de sua pesquisa com professores licenciados da educação básica que a maioria destes considera a disciplina de Psicologia da Educação importante para sua prática. Sessenta e cinco por cento dos pesquisados afirmaram tal importância. Porém, 21% colocaram que a disciplina não contribuiu para sua prática docente. Dentre as justificativas dos que responderam afirmativamente, encontram-se na pesquisa de Bergamo (2004, p. 39):

6

Em sala de aula aparecem vários tipos de problemas. Quanto maior o conhecimento em Psicologia da Educação, mais chance de acertar na condução e solução de cada problema (ED 3). [...] Alguns conteúdos ajudaram a identificar problemas ou solucionar questões que aparecem no dia-a-dia (ED 17 e ED 18). [...] Propiciou entender melhor o comportamento em cada faixa etária alertando para as fases do desenvolvimento (EA 1) [...] Porque me ajudaram a entender como a mediação do professor interfere na aprendizagem e desenvolvimento do aluno (EB 8). [...] Sim, pois estudei comportamentos e dificuldades encontradas nos seres humanos, principalmente durante o período escolar. (EB 16). Já os professores que criticaram a disciplina de Psicologia da Educação, segundo a autora, citaram motivos tais como: o pouco tempo destinado ao estudo desta área do conhecimento e a dicotomia entre a teoria e a prática. Porém, Bergamo (2004) frisa que tal disciplina não tem como finalidade ensinar técnicas e métodos de ensino, característicos das didáticas e práticas de ensino, por exemplo, mas sim possibilitar um olhar crítico e reflexivo no professor, o qual, através dos conhecimentos internalizados sobre as questões psicológicas que norteiam os processos de ensino e aprendizagem, poderá atuar de forma mais condizente com as necessidades educacionais de seus alunos. Ainda assim, acredita-se na necessidade de relacionar os conteúdos com a realidade vivenciada na prática docente. Larocca (2001) e Gatti (2003) afirmam que é necessário realizar esta ponte entre as teorias da aprendizagem, dentre outros conteúdos da disciplina, com a realidade social, histórica e cultural onde a escola está inserida, portanto, voltando-se para uma práxis docente. Ainda sobre as contribuições da disciplina de Psicologia da Educação, Carvalho (2003) pesquisou um grupo de 30 professoras da 1ª série do ensino fundamental, formadas em Pedagogia. A pesquisa teve como objetivo verificar as contribuições da Psicologia Educacional para a prática docente. Ao serem questionadas sobre tais contribuições, Carvalho (2003, p. 83) descreve o seguinte:

O primeiro grupo concentra as manifestações da grande maioria das professoras entrevistadas: 25 manifestações do total de 30, o que representa 83% desse total. As respostas das professoras desse grupo foram sintetizadas em quatro pontos principais, descritos a seguir: a) a psicologia auxilia a identificar dificuldades pelas quais a criança esteja passando, sejam problemas familiares, sejam de relacionamento, de aprendizagem ou problemas psicológicos mais graves (dez manifestações); b) a Psicologia ajuda a perceber as diferenças de personalidade e as diferenças entre as

7

crianças (seis manifestações); c) “usar de Psicologia” auxilia no relacionamento com a criança (cinco manifestações); d) a Psicologia ajuda a entender o desenvolvimento infantil (quatro manifestações). Os resultados das pesquisas descritas anteriormente se assemelham em alguns momentos com os relatos dos licenciados em Ciências Naturais entrevistados. Dos 16, 14 responderam afirmativamente sobre a importância da disciplina de Psicologia da Educação em sua formação e prática docente. Porém, muitos destacaram a necessidade de serem revistos alguns procedimentos frente à disciplina ministrada nas licenciaturas. Dentre as falas dos professores que fizeram afirmações acerca da importância da disciplina, a de uma licenciada em Química cita a necessidade de conhecer as questões cognitivas do público onde o docente atua. Neste mesmo relato é possível verificar a influência em seu discurso da tendência construtivista de Piaget, onde existem estágios de desenvolvimento humano, com características maturacionais específicas. Além disso, a entrevistada destaca indiretamente a importância do relacionamento interpessoal entre alunos e professores, quando afirma que o professor deve entender o aluno para “não bater de frente”. Percebe-se então, nesse momento, a presença dos pressupostos da Escola Nova. É muito importante, porque a gente trabalha com “gente”, com “pessoas” e se você não tem o mínimo de noção, de entendimento do cognitivo, é aquele professor que vai bater de frente com o aluno e o aluno bater de frente com o professor. E como você ta ali como uma pessoa mais velha, orientando, você tem que saber com que público que está lidando. Eu por exemplo, que trabalho no ensino médio, tenho que entender esta faixa etária entre 14 anos e 20 anos, preciso entender como eles entendem as coisas. Isto é muito importante. (Licenciada em Química - Q3). Assim como a fala apresentada, a maioria dos entrevistados ressaltou a importância da disciplina pelo fato desta auxiliá-los no entendimento e no “trato” dos seres humanos, no caso os alunos. Percebe-se isso no seguinte relato: “Sim, claro que é importante. Primeiramente porque o professor vai lidar com seres humanos, não é só chegar lá e dar aula de matemática. Ele vai trabalhar com “pessoal” (Licenciada em Matemática M2).

Historicamente, percebe-se que a disciplina de Psicologia da Educação assume realmente este papel, o de preparar os professores para atuarem diante da diversidade cultural, social, econômica e, portanto, de personalidades, potencialidades e

8

comportamentos diferenciados dos alunos e, sobretudo, para desenvolver o relacionamento interpessoal entre docentes e alunos. É possível perceber no relato a seguir, em que a licenciada em Biologia denuncia a imagem que possui da Psicologia da Educação, a qual veio para auxiliar a “lidar” com os “carentes”, isto é, com a classe dominada que passa a freqüentar a escola e precisa ser padronizada de acordo com os valores e comportamentos determinados pelas classes dominantes. Patto (1984) destaca que a Psicologia da Educação assumiu o papel curativo e preventivo por volta dos anos 50 e 60, o que ainda está presente na concepção de professores, influenciados pela condução/visão do docente psicólogo da disciplina Psicologia da Educação que cursaram durante a graduação: Eu penso que a Psicologia poderia ajudar mais assim: a gente tem muitos alunos carentes, a gente tem alunos drogados e a gente não é preparado pra isto, os casos de alunos que usam cadeiras de roda. Eu sei que isto na nossa sociedade vai ser algo comum, mas nós professores não estamos preparados. (B4) Guedes (2002) cita que as disciplinas pedagógicas e em especial a Psicologia da Educação vem para solucionar os conflitos e problemas enfrentados no meio educacional escolar. Salvador (1999) ainda ressalta que se depositaram nesta área por volta dos anos 60 todas as expectativas quanto à formação docente dos licenciados. A partir da introdução da disciplina nos currículos, os professores estariam mais aptos a trabalhar com públicos diferenciados, valorizando o relacionamento interpessoal, as necessidades e potencialidades cognitivas particulares de cada aluno. Porém, Salvador (1999) afirma que estas expectativas não foram alcançadas, pois os problemas relacionados à formação docente e, sobretudo, à marginalização escolar permaneceram.

Neste contexto, temos as críticas de Saviani (1999), o qual enfatiza que as questões ligadas à marginalização é o resultado dos interesses das classes sociais dominantes no sistema capitalista, pois não há um interesse verdadeiro no desenvolvimento educacional, porque este pode conduzir os estudantes a uma postura crítica sobre os sistemas de classes e a concentração de poder. Então, apesar da introdução das disciplinas pedagógicas nos currículos de licenciaturas, incluindo a Psicologia da Educação, tais medidas por si só frente à formação docente, não poderiam gerar mudanças significativas na educação, pois: “[...] as reformas escolares fracassaram, tornando cada vez mais evidente o papel que a escola desempenha:

9

reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de reprodução capitalista”. (SAVIANI, 1999, p. 29) Alguns relatos da pesquisa em questão ressaltaram, além dos fatores cognitivos, a necessidade de se conhecer as fases características de cada idade. Estas falas são geralmente condizentes com a teoria construtivista de Piaget (1995), a qual apresenta os estágios do desenvolvimento maturacional como requisito antecedente à aprendizagem. Além disso, também se destacou durante algumas falas o distanciamento da formação universitária em relação à realidade da escola. Neste sentido, recorre-se à disciplina de Psicologia da Educação como um espaço de possibilidades, de serem realizadas discussões acerca da prática docente no contexto social e real onde as escolas estão inseridas. Incluindo, dentre outras, as temáticas, no âmbito das ciências naturais, e o uso das fundamentações teóricas sobre ensino e aprendizagem na prática docente. Percebe-se tal fato na fala a seguir: “Eu vejo assim, hoje a faculdade está muito longe do que é na realidade a escola e se você não tiver isto da psicologia, de saber como é que funciona determinadas fases, tu não consegue trabalhar na escola”. (B2). Carvalho (2003) alerta para a importância de a Psicologia da Educação rever a maneira de ministrar seus conteúdos, especialmente nos cursos de licenciatura. Larocca (2001) também enfatiza a necessidade de associar as correntes teóricas estudadas com a realidade social, possibilitando aos docentes um olhar crítico desde a criação/aceitação das teorias estudadas até a aplicabilidade destas em suas práticas. Entre os professores entrevistados, muitos citaram as dificuldades de relacionarem a Psicologia da Educação a sua área de atuação. As críticas apontadas referem-se, dentre outras, sobre os conteúdos em relação a: ênfase no desenvolvimento e aprendizagem infantil, quando na verdade eles atuam mais no ensino médio. As teorias são “passadas” de forma desconectada com a realidade prática. A disciplina é situada no currículo, nas primeiras fases, onde segundo os licenciados em ciências naturais, eles ainda não possuem maturidade e não têm experiência de sala de aula. Vejamos alguns relatos:

[...] Hoje eu sei que é bem importante, tanto que é uma das áreas que eu mais estudo hoje, continuo estudando, eu despertei mais no final da graduação para isto. Quando eu comecei tinha 18 anos e eu não queria saber de psicologia no primeiro e segundo semestre do curso, eu até percebia que tinha uma certa importância, mas não me sentia atraído, tanto é que eu entrei numa faculdade de matemática, e eu queria era cálculo. Eu até era um bom aluno, mas assim de essência daquele conteúdo naquele momento não ficou

10

muita coisa pra mim, não sei se o professor não soube levar muito bem, ou se a disciplina deveria estar mais adiante no curso, o que eu sinto é assim. (F1) Importante ela é, pra gente conhecer um pouco mais sobre as teorias, mas o problema é o jeito que ela foi dada, eu lembro que na minha época, eram umas aulas meio chatas, assim, tinha um monte de leitura e sabe como é né, o pessoal da minha área já não gosta muito de ler, então alguns nem liam os textos. [...] Então, eu acho que se fosse dada de um jeito diferente. Hoje eu sei que é importante a gente conhecer os alunos e lidar com as coisas que acontecem na escola, mas na época a gente não tem noção da realidade, aliás a graduação num todo não prepara a gente pra prática, pro dia-a-dia... (F4) Com certeza, acho importante no sentido, mas depende como o curso entende sobre psicologia da educação, qual é o ementário dele. Porque o nome psicologia da educação, né, a própria psicologia é muito ampla, então é preciso definir quais os teóricos que vão ser estudados. Eu me lembro que na minha época a professora trabalhou mais a questão do cérebro, áreas que são afetadas e responsáveis pelo conhecimento, não entrando nos teóricos. Me lembro que a gente leu um texto do Freud, me lembro que a gente copiava o cérebro e não sei se porque o curso no início era Ciências e depois a gente escolhia a licenciatura plena em matemática ou em biologia. Mas não fico assim teóricos, como depois a gente entrou em contato na especialização e no mestrado. (M3). Apesar de a maioria responder afirmativamente frente a importância da disciplina de Psicologia da Educação, dois dos entrevistados responderam que não reconhecem a importância desta. As argumentações apresentadas correspondem à falta de finalidade clara da disciplina na grade curricular dos licenciados em Ciências Naturais; a dificuldade dos ministrantes que não conhecem a área das Ciências Naturais, não sabendo contextualizar e considerar as diferenças entre licenciaturas desta e outras áreas do conhecimento. Afirmam inclusive que a disciplina não é reciclada com o passar dos anos. Isto é, não trabalha com a realidade atual da escola. O que se aproxima dos resultados da pesquisa de Almeida (et al, 2007) sobre a Psicologia da Educação e a prática docente no ensino médio, a qual verificou que a maioria dos professores não se lembra dos conteúdos e, portanto, não consegue relacioná-los com suas práticas. Os entrevistados reconheceram a importância da Psicologia, porém reclamaram da falta de conhecimento para utilizá-la. Os resultados apontaram para a pouca eficiência das disciplinas de Psicologia ministrada nas licenciaturas, que não atinge sua função de intervenção em sala de aula. (ALMEIDA et al, 2007, p. 102).

O entrevistado licenciado em Matemática M4 coloca sobre a importância da Psicologia da Educação em sua prática: “Da forma que foi passada lá não. Tanto é que

11

eu nem lembro o que é que foi passado. Depende do jeito que é passado e na nossa época não surtiu efeito algum, pelo menos eu não vejo”. Gatti (2003, p.107), neste contexto, apresenta críticas sobre a maneira como a Psicologia da Educação é ministrada tanto aos estudantes das licenciaturas, Pedagogia e inclusive na própria graduação de Psicologia. Levantamentos mostram que ainda estamos empregando os manuais mais tradicionais, a maioria traduzidos de originais antigos sem revisão de edição e conteúdos, eivados de erros de tradução, ou, de outro ângulo, encontram-se programas que enfocam apenas e superficialmente um dos recortes de abordagem da Psicologia da Educação, sendo que a maioria dos docentes da disciplina não fazem sua atualização em relação à produção científica da área. A fala a seguir demonstra um certo “desprestígio” da disciplina para o entrevistado devido a forma desta ser ministrada. Desprestígio que, segundo Guedes (2002) e Gomes (2006), é bastante comuns em relação às disciplinas pedagógicas, pois a própria estrutura curricular reforça tal sentimento, na medida em que não é feita a correlação entre os grupos de disciplinas (específicas e pedagógicas). Gatti (2003) como foi visto também analisa a desconexão da Psicologia da Educação com a realidade, o que pode gerar sentimentos e considerações como a do licenciado referido: [...] eu acho que sinceramente “é uma merda”. Os alunos, pelo que eles disseram é aquele “BA BA BA” de sempre, eles dão a disciplina do mesmo jeito que há 50 anos, é a mesma coisa do meu tempo. Até pode o aluno conseguir construir alguma coisa com base no que viu na psicologia, mas isto é bem difícil, pelo menos da forma como a disciplina é dada. (F2) O licenciado F2 atua no ensino superior do curso de Matemática e Física. Ele relata que os alunos se queixam sempre da disciplina Psicologia da Educação, alguns ainda percebem a necessidade desta durante a realização dos estágios, porém, criticam a falta da relação desta com as necessidades dos professores do ensino de Ciências. F2 ainda destaca:

A Psicologia poderia auxiliar pra diminuir o pré-conceito que os professores de ciências enfrentam. Sempre ficamos com a fama de professores “tradicionais”, “durão”. Mas dar aula de matemática é diferente do que história por exemplo. Você consegue aplicar muito mais a psicologia nas áreas que não são exatas. Na matemática uma formula é uma formula e nem sempre é possível relacionar um calculo com uma realidade. Pelo menos durante a graduação agente não aprende a fazer isto. Na psicologia agente fica lá estudando as fases das crianças, mas assim, como utilizar a física, a

12

matemática na aprendizagem agente não vê, eu pelo menos não vi, e pelo que os meus alunos falam ainda não é visto. Então pra que Psicologia? CONCLUSÃO Por meio das entrevistas, em especial do questionamento frente à importância da Psicologia da Educação na formação docente, percebeu-se que, embora haja o reconhecimento da maioria dos entrevistados, muitos não souberam argumentar tal importância com base em conhecimentos científicos dos conteúdos trabalhados nesta área. Dentre as 16 respostas, nove associaram a disciplina com a finalidade de “entender o ser humano”, mas não citam diretamente o processo de ensino e aprendizagem. Um dos licenciados em Biologia cita como contribuição da disciplina o “ensinar a ter equilíbrio”. Embora, conforme Bergamo (2002) e Guedes (2009), a disciplina de Psicologia da Educação também trabalhe com as questões relacionadas à emoção e personalidade, estes não devem ser o único foco. O “ensinar a ter equilíbrio” poderia se substituído por “ensinar a ter paciência”, e a professora coloca este como um objetivo da Psicologia em Educação, porém, que corresponde mais a um processo terapêutico característico da psicologia clínica do que da disciplina em questão. Mesmo os entrevistados que afirmaram a importância da Psicologia da Educação, oito dentre os 16, pouco se lembram dos conteúdos, e acabaram associando a conceitos populares, do senso comum e/ou representações históricas do papel da Psicologia. Com base nas questões apontadas conclui-se: - A minoria dos professores apontou a disciplina Psicologia da Educação como contribuinte na compreensão do processo de ensino e aprendizagem. Pois ainda projeta-se na disciplina a imagem da área clínica, e, portanto, é vista como um meio de ensinar o professor a ter equilíbrio emocional, “lidar” com alunos carentes, entre outras colocações. - A maioria relatou que passaram a valorizar a disciplina apenas após a graduação ou no fim desta, durante os estágios. Possivelmente o desinteresse durante o curso está vinculado a falta de contextualização da Psicologia da Educação com o ensino de Ciências Naturais, a falta de maturidade de alguns alunos no início do curso, e em alguns casos, a falta de habilidade do ministrante da disciplina.

13

- A disciplina Psicologia da Educação precisa rever conteúdos e a forma de contextualizá-los enfatizando também a faixa etária dos jovens do ensino médio, e não somente na psicologia infantil. - A pesquisa-ação pode ser uma estratégia de ensino que aproxime a disciplina Psicologia da Educação da realidade escolar, possibilitando um entrelaçamento entre teoria e prática. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rúbia S. ALVES, Cândida Beatriz. NEVES, Gabriela Nunes. SILVA, Ludmila P. PEDROSA, Regina Lúcia S. O professor de ensino médio e a psicologia em seu cotidiano escolar. Psicol. Esc. Educ. v. 11, n. 1, Campinas, jun, 2007. CARVALHO, Diana de C. As contribuições da psicologia para a formação de professores: algumas questões para debate. In: MARASCHIN, Cleci; FREITAS, Lia; CARVALHO, Diana Carvalho de. Psicologia e educação: multiversos sentidos, olhares e experiências. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003. 359p. ISBN 8570257139 (broch.). BERGAMO, Regiane B. Concepções de professores sobre a disciplina psicologia da educação na formação docente. Dissertação de mestrado do curso de Mestrado em Educação da PUCPR, Curitiba, 2004. Orientador: Prof. Drª Joana Paulin Romanowski.

DIRETRIZES E BASES CURRICULARES NACIONAIS PARA OS CURSOS DE CIÊNCIAS NATURAIS. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES13022.pdf. Acesso em: 20 set 2009 GATTI, Bernadete A. Tendências da pesquisa em Psicologia da Educação e suas contribuições para o ensino. In: TIBALI, Elianda F. Arandes. CHAVES, Sandramara Matias. [org.]. Concepções e práticas em formação de professores: diferentes olhares. Trabalhos apresentados no XI ENDIPE realizado em maio de 2002, em Goiana – Go. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. GOMES, Jaqueline O. de M. Formação do professor de matemática: um estudo sobre a implantação de novas metodologias nos cursos de Licenciatura de Matemática da Paraíba. Dissertação (mestrado). Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa - PB, 2006. GOULART, Iris Barbosa. Psicologia da educação fundamentos teóricos e aplicações a prática pedagógica. 7.ed Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.

GUEDES, Neide, C. A construção dos conceitos de formação profissional e prática pedagógica. Teresina: EDUFPI, 2002.

14

GUEDES, Shirlei Terezinha Roman. A relação teoria e prática no estágio supervisionado. In: ANAIS DO IX CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - EDUCERE: POLÍTICAS E PRÁTICAS EDUCATIVAS DESAFIOS DA APRENDIZAGEM. PUCPR – Curitiba – PR, 2009. KELLY, William A.; LUZ, Rogério. Psicologia educacional. 4 ed. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1968 LAROCCA, P. A psicologia na formação docente. Campinas: Alínea, 2001. PATTO, Maria Helena Souza. Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T.A Queiroz, 1984 _____. Introdução a psicologia escolar. 3 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003 SALVADOR, César Coll. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 32. ed. Campinas: Autores Associados, 1999. WISNIVESKY, Mariana. Psicologia e formação docente: indícios de uma relação. Dissertação de mestrado – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação – Campinas – SP, 2003.

Nenhum comentário:

Postar um comentário