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Com a saída do professor Paulo Rômulo de Oliveira Frota da UNESC, o Grupo de Pesquisa passa a ter esta nova configuração.

quarta-feira, agosto 24, 2011

Conceito de Avaliação Processual: um estudo de caso na Unidade Acadêmica de ciencias Sociais Aplicadas

Robinalva Borges Ferreira (Universidade do Extremo Sul Catarinense - SC)
Paulo Rômulo de Oliveira Frota (Universidade do Extremo Sul Catarinense -SC)

A complexidade do processo de aprendizagem, com a qual muitos professores da educação superior se deparam, é ampliada com a avaliação, que faz a inter-relação com os objetivos, conteúdos e metodologia. O campo estabelecido para o presente estudo foi a avaliação processual realizada por professores da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais Aplicadas - UNA CSA da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc, uma universidade comunitária situada em Criciúma - SC. Com o objetivo de verificar como os professores internalizam o conceito de avaliação processual e suas relações com o ensino e aprendizagem, montamos um estudo de caso, utilizando como instrumento de coleta de dados a entrevista com 10 professores da UNA CSA. Como resultado principal podemos apontar que os conceitos de avaliação processual apresentados pela amostra não demonstram os atributos necessários para que sejam classificados como conceitos científicos.

Palavras-chave: Avaliação processual. Conceitos. Educação superior.

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Atualmente, em nosso país, muito se fala sobre diretrizes curriculares, documentos institucionais, formação continuada, projeto pedagógico e avaliação. No entanto, parece que estas discussões nem sempre são incorporadas no trabalho docente, de forma que possam ressignificar o processo de ensinar, aprender e avaliar.

A complexidade do processo de aprendizagem, com a qual muitos professores da educação superior se deparam, é ampliada com a avaliação, que faz a inter-relação entre os objetivos, conteúdos e metodologia. Há, ainda, a predominância de uma visão hegemônica de avaliação que supervaloriza o produto em detrimento do processo.

Portanto, é necessária a superação da educação tradicional, em que a função do professor é o transmitir conteúdos prontos e acabados e a do aluno é reproduzi-los. É necessário superar a visão de avaliação classificatória, com função de notificar, classificar, selecionar, classificar, excluir e punir. (SILVA, 2004).

Este autor coloca que poderemos superar a avaliação classificatória com a avaliação formativa, a qual denominaremos de processual, que objetiva acompanhar de forma interativa e regular se os objetivos pedagógicos estão sendo atingidos, possibilitando informações sobre o trabalho docente e o percurso da aprendizagem discente, corrigindo os desvios de ambos.

Seus principais pressupostos, de acordo com o que foi estabelecido na Reforma Administrativa da Unesc, são: sobreposição dos processos sobre os produtos de aprendizagens; fornecer informações globais sobre os fatores que afetam os processos de aprendizagens e a diferenciação dos processos avaliativos de acordo com as necessidades e imperativos do contexto socioeducacional dos discentes, dos conteúdos e dos objetivos curriculares. As bases epistemológicas e pedagógicas estão presentes no Projeto Político

Pedagógico da instituição de ensino, podem romper com procedimentos padronizados.O sistema avaliativo deixa de ser pontual, classificatório e excludente, adotando uma postura de acompanhamento mais individualizado e participativo por parte do aluno. A função principal da avaliação processual é aprimorar o processo de aprendizagem e ampliar a probabilidade de que todos os estudantes aprendam. A avaliação é considerada como um dos elementos que possibilita a retroalimentação e a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem.

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Neste sentido, apontamos o objetivo do estudo: analisar a internalização do conceito de avaliação processual externados pelos professores da UNA CSA da Unesc, após três semestres de implantação do novo sistema de avaliação nos cursos de graduação da Unesc.

Justificamos este estudo pela carência de produção científica sobre a temática avaliação no processo ensino/aprendizagem, em nível superior. Predominam estudos e pesquisas sobre avaliação na educação básica.

Percebemos que alguns estudos estão sendo feitos sobre avaliação na educação superior, mas é necessário que sejam ampliados, possibilitando novas reflexões acerca da temática. A emergência da pedagogia universitária nos tem indicado o quanto ainda precisamos investir nas pesquisas neste campo. E ainda, este será o primeiro estudo após a implantação do novo sistema avaliativo da instituição.

A avaliação dos estudantes universitários está inserida no processo educativo, como instrumento da aprendizagem, não como atividade que busque somente a certificação, promoção ou aprovação, portanto, procura acompanhar o percurso dos estudantes em busca do alcance dos objetivos educacionais. (COIMBRA, 2002).

O autor destaca que a avaliação definida como instrumento do aprendizado apresentase com pressupostos e características intimamente ligados aos objetivos educacionais e à missão da universidade, expressados pela natureza social e pela função socializadora da educação, com uma das razões de promover o desenvolvimento humano.

Demo (2009) chama a atenção para um ensino ainda muito instrucionista, o qual fala que é condenado por razões pedagógicas e biológicas, pois o ser vivo não pode ser instruído e sim educado. As aulas são reprodutivas, informações repassadas, para serem armazenadas e reproduzidas na prova, dois procedimentos muito secundários, que poderíamos dizer não mais adequados para o contexto atual de uma sociedade tão dinâmica.

Portanto, a aula poderia ser planejada com o objetivo de envolver o acadêmico, provocar questionamentos, elaboração de projetos, argumentos, fundamentos, para que ele construa e reconstrua o conhecimento e sua autonomia, sendo um cidadão com história própria.

Por consequência a avaliação, nesta perspectiva de ensino e aprendizagem, está voltada para a qualidade formal e política, para acompanharmos até que ponto os acadêmicos manejam conhecimento e até que ponto sabem o que fazer com tal conhecimento. Por serem duas coisas imbricadas, à medida que o acadêmico aprende a pensar, argumentar, questionar, contra-argumentar, escutar com atenção, responder com elegância e profundidade, igualmente construindo conhecimento e sua cidadania.

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Nesse sentido, redefine-se a função do professor, em vez de ser alguém treinado para ensinar, para ser um eterno aprendiz, ou seja, para que um acadêmico pesquise e elabore e torne-se autônomo e criativo, precisa de um professor também com estas qualidades.

Demo ressalta que não basta dar aula, é preciso acompanhar todos os dias se os acadêmicos estão aprendendo. A avaliação então é um procedimento essencial nesse processo.

Cabe a reflexão do professor em qual binômio se encontra: aula reprodutiva e prova, ou seja, aula tradicional e avaliação tradicional, ou aula operatória e avaliação processual, ou seja, aulas em que o professor cuida da aprendizagem do acadêmico, provocando-o a aprender a pensar e a construir o conhecimento, acompanhando por meio da avaliação processual.

Conceber a avaliação como um dos componentes do trabalho docente é uma forma de consolidar um novo paradigma para a formação universitária, tendo em vista que melhorar os processos de avaliação não é suficiente para dar conta do processo complexo de ensinar e aprender em tempos de incertezas. É preciso também discutir as condições de trabalho objetivas oferecidas aos docentes para superarem os modelos concebidos que conspiram contra uma organização curricular integrada.

A avaliação percorre todas as etapas do ensino, e se materializa em várias atividades desenvolvidas pelo professor e pelos alunos. A avaliação processual é sistemática e contínua, no sentido da obtenção de informações e manifestações acerca do desenvolvimento das atividades docentes e discentes.

É a avaliação processual que a Unesc pensa ser a mais adequada neste momento, para contribuir com o processo de ensino e aprendizagem, possibilitando que professor e acadêmico reflitam sobre estes processos e sobre suas atitudes, objetivando identificar avanços e dificuldades para que sejam superadas. Sendo a aprendizagem um processo dinâmico e contínuo, o feedback também segue este caminho, retornando as informações e possibilitando o aperfeiçoamento do processo.

Ao se planejar uma avaliação, ela deve ser pensada e atender a alguns objetivos,

portanto, apontamos as funções que deve cumprir um processo avaliativo de acordo com

Libâneo (1994), que destaca três funções da avaliação: a função pedagógico-didática, que se refere aos objetivos gerais e específicos, bem como os meios para atingi-los, pois estes constituem um ponto de partida, e os critérios e procedimentos avaliativos. A função diagnóstica: essa função permeia todas as fases do ensino, possibilitando o cumprimento da primeira função citada. Portanto, se refere à análise sistemática das ações do professor e dos alunos, visando detectar os avanços e desvios do trabalho docente em relação aos objetivos, conteúdos e métodos. E por último, a função de controle, que se refere à comprovação e

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qualificação sistemática dos resultados da aprendizagem dos alunos, face ao proposto pelo professor. Portanto, são expressos juízos de valor, por meio dos dados coletados, que são convertidos em notas ou conceitos.

A avaliação deve ser orientadora da aprendizagem, em que o ensino e a avaliação caminham juntos. A avaliação na educação superior poderia ser formativa e comprometida com a melhoria das condições de ensino/aprendizagem, promovendo a autonomia e o desenvolvimento dos envolvidos, evitando a continuação da exclusão, competição e controle. Há muito que se construir na avaliação universitária e o começo poderia ser o desconstruir de que esta é fenômeno técnico e desinteressado. Um dos cuidados que o professor universitário deverá ter é diversificar os instrumentos avaliativos, no sentido de acompanhar o processo de aprendizagem, oportunizando diferentes formas de linguagem, como painel integrado; prova escrita dissertativa, que poderá ser individual, em dupla, sem consulta e com consulta com o colega, nos livros, na internet, na sala de aula, na biblioteca e no laboratório de informática; observação; diário reflexivo; portifólio; trabalho monográfico; seminário; entrevista; conselhode turma e autoavaliação. (MENDES, 2005).

Gil (2008) chama a atenção para as técnicas de avaliação utilizadas pelos professores, que devem ser selecionadas após a elaboração do planejamento, estabelecimento de conteúdos, metodologias e principalmente de objetivos.

Implantação da avaliação processual

A Universidade do Extremo Sul Catarinense - Unesc está implantando a reforma acadêmico-administrativa desde 2005, quando da aprovação do novo estatuto da mantenedorae do novo regimento da instituição. Incluso, nas várias mudanças, no regimento institucional está a implantação da avaliação processual no segundo semestre de 2007, previsto nos artigos 86 a 91, em que a principal mudança é a não-realização da quarta avaliação, ou prova final ou provão, termos estes utilizados na academia. Esta mudança no sistema avaliativo teve como base o Projeto Político Pedagógico da instituição, que desde sua construção, em 2001, apontava para uma avaliação processual, dinâmica, inclusiva.

O regimento geral da instituição aponta algumas atribuições do docente referente à avaliação processual: 1) organização do processo avaliativo e do registro dos resultados e da freqüência dos acadêmicos; 2) participar da definição dos procedimentos de avaliação, no

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Colegiado do curso; 3) diversificar os instrumentos de avaliação da aprendizagem; 4) analisar,discutir e registrar os resultados da avaliação; 5) oportunizar recuperação dos conteúdos aos acadêmicos durante o semestre letivo.

O docente também deverá efetivar, no mínimo, 03 (três) avaliações, sendo, pelo menos, 02 (duas) individuais, e é assegurada a informação do resultado, o direito à devolução de cada avaliação, antes da realização da avaliação seguinte; para fins de registro, as avaliações serão expressas em resultados numéricos de 0,0 (zero) a 10,0 (dez), e no resultado final a nota será expressa com 02 (duas) casas decimais após a vírgula e serão aprovados os acadêmicos que obtiverem, no final do período letivo, média aritmética das notas igual ou superior a 6,0 (seis) e frequência mínima de 75% (setenta e cinco por cento).

Nas disposições transitórias, referentes à avaliação processual, consta que o prazo para a implantação seria o 2º semestre/2007 e que a avaliação do desempenho escolar proposta no Regimento será implementada, acompanhada e avaliada durante 01 (um) ano letivo, asseguradas as condições necessárias para sua realização, depois deste período será reavaliada. (UNESC, 2009).

Foi acordado que no novo sistema de avaliação se mantivesse os seguintes princípios da avaliação anterior: diversificação de instrumentos avaliativos e possibilidade de recuperação de conteúdos, isto porque eles não eram convenientemente empregados e por consequência não eram também avaliados.

As duas principais mudanças no novo sistema de avaliação foram a retirada da prova final, ou quarta avaliação, também chamado de provão, e a alteração para 6,0 da média final para aprovação. No sistema anterior o acadêmico era aprovado com média 7,0 ou com média 5,0, após prestar a prova final.

Estas modificações se justificam pelo fato de que no sistema de avaliação processual tanto o desempenho do acadêmico quanto do professor é analisado; a correção de tarefas serve para analisar e acompanhar o acadêmico nas atividades de aprendizagem/avaliação, pela possibilidade do acadêmico realizar a recuperação, reelaborando hipóteses, aprofundando conhecimentos, refletindo sobre sua aprendizagem.

O conceito de Hoffmann (2003) nos auxilia no entendimento da avaliação processual: avaliação é um processo dialógico e cooperativo por meio do qual educandos e educadores aprendem sobre si mesmos no ato próprio da avaliação.

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Procuramos dialogar com os autores para compreendermos a elaboração conceitual, possibilitando posterior análise desta por professores da UNA CSA da Unesc, referente à AP, sistema este adotado pela instituição a partir do segundo semestre de 2007.

Os conceitos, de modo geral, podem ser compreendidos como um sistema de relações e generalizações determinadas por um processo histórico. (VYGOTSKY, 1993)

Na teoria histórico-cultural entendemos os conceitos não como entidades isoladas, mas

como elementos de um sistema complexo de inter-relações, e podemos distinguir três nuances

da ideia de conceitos: uma primeira mudança qualitativa ocorre dos animais para os seres

humanos, principalmente pela fala: correspondente ao primeiro aparecimento da linguagem (e

dos conceitos) na filogênese; uma segunda mudança qualitativa é quando da transição do

modo situacional para o abstrato, relacionado com os diferentes tipos de conceitos que

aparecem no desenvolvimento ontogenético e resultado do envolvimento do sujeito em

atividades culturais.

Esta segunda mudança pode distinguir os adultos das crianças e os diferentes membros

de grupos culturais. A terceira mudança qualitativa como efeito de práticas culturais se

relaciona com processos metacognitivos em que a investigação sobre a natureza dos próprios

conceitos promove um novo afastamento em relação ao mundo da experiência.

Esta última mudança pode estar relacionada à alfabetização, escolarização e ao

desenvolvimento científico. (OLIVEIRA, 1999).

A autora coloca que na história das investigações sobre conceitos podemos identificar

diferentes concepções a respeito de sua natureza. Na concepção clássica, que prevaleceu na

literatura desde Aristóteles até o início da década de 1970, o conceito podia ser descrito como

“uma espécie de lista de propriedades necessárias e suficientes que o definiriam e podia ser

incluído numa hierarquia de classes e subclasses basicamente equivalentes a taxonomias

científicas”. (OLIVEIRA, 1999, p. 58).

Os experimentos de Vygotsky estão em consonância com esta concepção, pois

utilizavam conjunto de objetos, blocos de madeira e cartões, que se diferenciavam pelo

número significativo de atributos. A tarefa do sujeito era descobrir os atributos de cada

conceito.

Na concepção teórica, “os conceitos não são atividades isoladas na mente do sujeito,

mas estão organizados em algum tipo de todo estruturado, uma rede de significados, em que

há relação entre os elementos”. (OLIVEIRA, 1999, p. 59).

Os conceitos são partes de uma teoria, seja ela teoria científica ou estrutura cognitiva

do senso comum. Assim percebemos que esta abordagem representa melhor a complexidade

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da organização conceitual da mente humana tendo em vista as relações e estruturas, sendo

aplicável a todas as espécies de conceitos.

Para Vygotsky (1993), a palavra é um meio para a formação do conceito, é um

elemento de constante mudança na estrutura psicológica e as associações entre as palavras

provocam a reorganização conceitual.

Também importante para entendimento da complexidade da estrutura conceitual é o

postulado vigotskyano referente “a conexão entre pensamento e as dimensões motivacionais

do funcionamento psicológico”. (OLIVEIRA, 1999, p. 60).

A autora diz que a organização conceitual é um conjunto flexível de significados,

aberto a uma reestruturação constante com base em situações interpessoais que provocam a

reflexão.

Portanto, os postulados de Vygotsky (1993) sobre o desenvolvimento de conceitos

científicos têm implicações relevantes na psicologia e na educação.

Apresentamos a distinção que Vygotsky fez entre conceito espontâneo ou cotidiano e

conceito científico. O conceito cotidiano (adotaremos esta nomenclatura) é definido pelos

termos de propriedades perceptivas, funcionais ou contextuais da pessoa. Ao passo que o

conceito científico está relacionado a outros conceitos científicos, ou seja, a um sistema de

conceitos, em que a relação do conceito científico com um objeto é mediada por outro

conceito científico.

Sendo assim, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, por meio de

uma aprendizagem, desenvolve um sistema de conceitos e a mediação destes. Exemplificam

os dois tipos de conceitos com a aprendizagem de uma segunda língua na escola (conceito

científico) e o desenvolvimento da língua nativa (conceito cotidiano) ou ainda da

aprendizagem da língua escrita na escola e a linguagem oral em casa, conceitos também

diferentes, pois o científico inicia com procedimentos analíticos e o cotidiano com

experiências concretas do cotidiano da pessoa.

Os conceitos cotidiano e científico têm histórias diferentes, que podem estar refletidas

nas formas com que usamos ou expressamos o conhecimento.

Vygotsky (1993) enfatizou o complexo inter-relacionamento entre os dois processos e

assim destaca a importância do papel dos conceitos transitórios ou intermediários, apesar de

poucas pesquisas feitas para explorá-los, mas aponta que não há um único estágio

intermediário, devido às experiências culturais e familiares que contribuem para a forma com

que os dois tipos de conceitos são elaborados conjuntamente nas diferentes fases do

desenvolvimento.

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Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida por meio de um estudo de caso, que no âmbito educativo

pode ser definido como “um processo que tenta descrever e analisar algo em termos

complexos e compreensivos, que se desenvolve durante um período de tempo”. (MOLINA

NETO, 2004, p. 96).

A abordagem foi qualitativa, pois analisamos as falas dos professores e classificamos

em unidades de análise.

“O estudo qualitativo ocorre numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem

um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.

(LUDKE e ANDRÉ, 2003, p.18).

A amostra foi constituída por 10 professores, dois de cada curso, alocados na UNA

CSA, escolhidos por sorteio, a partir da listagem retirada do sistema acadêmico, ou seja, o

sistema informatizado da instituição, a que os setores têm acesso.

A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada com 10

professores selecionados, que assinaram o termo de consentimento informado. Utilizamos um

gravador digital, Digital Voice Recorder - DVR – 860BK, para gravar as entrevistas. Os

arquivos foram salvos no computador, facilitando a transcrição. Também fizemos anotações,

durante as entrevistas, dos principais aspectos de cada resposta do entrevistado.

Para analisarmos os dados da pesquisa utilizamos análise de conteúdo, que de acordo

com Bardin (2006, p. 37) é:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por

procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,

indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

A análise do conteúdo é um método empírico, mas nada pronto e acabado. Apesar das

regras básicas a serem seguidas, cada analista ou arqueólogo, como diz a autora, baseado nos

objetivos da pesquisa, organiza e reinventa as dimensões ou unidades de análise. Procuramos

então buscar o significado das palavras emitidas nas respostas das perguntas da entrevista.

O corpus da pesquisa foi construído a partir das entrevistas com dez professores da

UNA CSA da Unesc.

Inicialmente realizamos a leitura flutuante, aberta e reflexiva, observando todas as

respostas no sentido de identificar semelhanças e diferenças, pensando algumas hipóteses a

partir dos índices presentes. A partir desta pré-análise foi possível pensar algumas unidades de

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análise.

Posteriormente organizamos cada pergunta agrupando todas as respostas para fazer a

segunda leitura com mais profundidade de análise, possibilitando a exploração do material.

Portanto, os dados brutos foram agregados em unidades, que permitem uma descrição

das características pertinentes ao conteúdo. As unidades foram as temáticas gerais que

apareceram em cada pergunta. Passamos então para a última etapa, a do tratamento dos

resultados obtidos e interpretação.

Seguindo os preceitos da autora, entre a descrição, ou seja, a enumeração resumida das

características contidas nas respostas dos entrevistados, e a interpretação, considerada a

significação concedida a estas características, existe um procedimento intermediário, que é a

inferência, possibilitando a passagem de uma para a outra.

A inferência é considerada uma característica fundante da análise do conteúdo, e trata

das deduções lógicas, ou seja, das conexões que poderemos realizar com o material coletado.

Nuances da avaliação processual: conceitos e contextos

Quanto à formação de conceitos trazemos a contribuição de Vygotsky (1993), dizendo

que é o resultado de uma atividade complexa em que todas as funções intelectuais básicas

fazem parte, como atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e

diferenciar, entre outras. O processo depende da associação, atenção, formação de imagens,

inferências e tendências dominantes, desenvolvidas por meio do uso do signo e da palavra,

pelos quais conduzimos as operações mentais, controlamos os seus cursos e canalizamos em

direção à solução do problema que enfrentamos.

Segundo o autor, a formação de conceitos é considerada como uma função do

crescimento social e cultural global, afetado tanto pelo conteúdo como pelo método de seu

raciocínio.

Os conceitos são constituídos também por atributos essenciais que são comuns a uma

determinada categoria de objetos, eventos ou fenômenos, ou seja, são características comuns

que podem ser designadas por uma palavra, ou ainda um termo que expressa o significado de

uma palavra, fazendo a distinção daquele objeto ou classe de outro.

Luckesi (2001, p. 86) também nos traz o conceito de “conceito” dizendo que “é uma

formulação abstrata que configura, no pensamento, as determinações de um objeto ou

fenômeno”.

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Retomamos as entrevistas com 10 professores, para identificar os conceitos expressos

nos seus discursos. Percebemos que três deles tiveram um pouco de dificuldade para

expressar o conceito de avaliação processual, sendo prolixos e não apresentando os atributos

essenciais do conceito.

As falas dos entrevistados foram colocadas entre aspas, em itálico e quando se

apresentam em mais de três linhas estão recuadas no texto.

Os conceitos de avaliação processual foram agrupados em duas unidades de análise e

destacados por meio de um atributo essencial do conceito.

Na primeira unidade apresentamos a ideia de registro/cobrança de fatura, relacionada

à concepção tradicional de educação, trazida por uma professora:

Atributo do registro

“Vejo assim, avaliar é construir o conhecimento, metodologias em sala de aula que

façam que o aluno estude e registre. Metodologia processual. Avaliação processual

é firmar o conhecimento através da pesquisa e da estimulação para o aluno buscar

o conhecimento ele mesmo. É registrar novamente”. (P4)

Bloom (1973) disse que a arte de avaliar se desenvolveu graças às possibilidades de

mensuração do conhecimento.

Um comportamento que envolve uma simples aquisição de conhecimento pode ser

medido com grande eficiência e economia, visto que é possível avaliar um extenso universo

de conhecimento apenas com uma amostra relativamente pequena de problemas e questões

nesta área. (p. 66).

O atributo essencial deste conceito parece estar no registro da memorização, ou seja,

uma forma do acadêmico devolver as informações repassadas pelo professor, as quais serão

corrigidas com exatidão. Não aparece o atributo referente ao acompanhamento do processo

ensino/aprendizagem.

Na segunda unidade, referente ao acompanhamento e à reflexão está inclusos os 9

professores.

Elencamos os conceitos citados pelos professores de acordo com um atributo essencial

deste.

Atributo de acompanhamento do processo

Apresentamos os conceitos de quatro professores:

“O processual favorece a interação verdadeira, olhar mais para o aluno.

Reconhecer a diferença e cada um tem seu tempo. Não entendeu o assunto, trabalha

com textos diferentes. É favorecer a interação entre professor e aluno, olhar mais

para o aluno, é acompanhamento do aprendizado desde que chegou até o final da

disciplina”. (P7)

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“É tu conseguires perceber a evolução do aluno. Não é avaliação de um

determinado momento, é um chek point, mas ao longo do período para ver se ele se

apropriou. Avalia o conjunto, para isso tem que mudar o formato de lecionar. Não

pontual: evoluindo o contexto do conhecimento, sempre retorna desde o início. Para

que ele consiga chegar no final depende do começo. Acompanhar o processo como

um todo”. (P10)

“Avaliação processual é aquela em que o aluno é avaliado do início do semestre até o

final do semestre, processualmente, não só no momento estanque na prova”. (P6)

“A avaliação é para acompanhar passo a passo o aprendizado do aluno, para não

ficar para o final, não deve ser feita somente no final do processo”. (P8)

De acordo com Hoffmann (2000), a avaliação é um instrumento de trabalho que o

professor usa para problematizar, questionar e refletir, constantemente, no sentido de

constatar dificuldades e necessidades, e principalmente o crescimento e emancipação dos

estudantes.

Percebemos nos conceitos expressos que o foco da avaliação não está centrado

somente no acadêmico, mas também no professor, ou seja, no processo de ensino.

Atributo de objetivos atingidos

Conceito citado por um professor:

“A avaliação processual para mim precisa ter começo, meio e fim, senão não é

processo. O que quero dizer: começo: é disparado algum propósito, onde se quer

chegar, um objetivo bem claro para o aluno e disponibilizado para o aluno. O meio:

como se desenvolve, é o desenvolvimento, de que maneira o conteúdo se desenvolve;

entender que um conteúdo é normalmente subsídio para o seguinte, continuidade. E

o fim é verificar se os propósitos foram atingidos, como verificar na passagem

deles, se serão promovidos, aprovados ou não para a próxima fase. É um processo:

o que, como e o que se espera da disciplina, é acompanhamento do aluno do início

ao final da disciplina”. (P1)

Coimbra (2002) nos auxilia na reflexão do conceito de avaliação, dizendo que deve

estar circunscrita ao foco pedagógico e da formação profissional, atingindo as ações do

professor, referentes aos métodos pedagógicos e as sequências das ações pedagógicas, bem

como ao desempenho escolar do estudante, visando seu perfil profissional e seu nível de

autonomia nos campos do saber e nas atitudes e competências requeridas pelo mundo do

trabalho.

Portanto, os objetivos estão no foco pedagógico e na formação profissional, que

deverão ser atingidos por meio das estratégias de ensino e da avaliação.

Atributo da avaliação relacionada ao ensino e a aprendizagem

Conceitos citados por dois professores:

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“É acompanhamento constante, sistemático da evolução desse aprendizado por

parte dos alunos. Poder acompanhar a evolução do que está sendo proposto na

relação do ensino e aprendizagem. É realmente um processo, não são situações

separadas”. (P9)

“Avaliação é um processo que não está separado do método de ensino, é uma

construção do trabalho a cada momento. Não vejo separado o ato de aprender e o

ato de avaliar, até aqui aprender e agora avaliar. É um processo contínuo”. (P5)

Para Silva (2004, p. 58), a “avaliação formativa-reguladora é um mecanismo

integrativo e regulador da prática docente e das aprendizagens, ocupando um lugar mediador

na ação educativa, sendo fonte de informações descritivas e interpretativas dos percursos e

dos conteúdos de aprendizagens dos pretendentes e das situações didáticas e da relação entre

ambos”.

Para Hoffmann (2000, p. 153): “Avaliação significa ação provocativa do professor,

desafiando o educando a refletir sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses,

encaminhando-se a um saber enriquecido”.

Percebemos que os professores atrelam o conceito de avaliação aos conceitos de

ensino e aprendizagem, apresentando a preocupação com a evolução do acadêmico bem como

com os métodos de ensino. Parece que estes professores se preocupam com o plano de ensino

da disciplina, procurando correlacionar o processo de ensinar com a aprendizagem do

acadêmico, acompanhada por meio da avaliação. É possível que seu entendimento referente à

avaliação processual provocou esta mudança, ou seja, refletir sobre a organização e a

execução do plano de ensino.

Atributo da avaliação do ensino e do processo

Conceito citado por um professor:

“Avaliação é um processo, movimento, constantes mudanças. Processo que está em

movimento, significa incorporar, interagir, é dinâmico. Processo contínuo de

avaliação, em movimento, sempre interagindo com o meio, avaliando a avaliação,

avaliando o processo anterior, a prova anterior, e o processo, até o professor.

Avaliação processual é avaliação que tem que avaliar todos os momentos, não é

estanque, conteúdo aqui e cobrar. Processual vai avaliando o tempo todo, eu me

avalio porque eu mudo de um semestre para outro. Fui mudando a cada semestre”.

(P2)

De Sordi (2000) contribui com o entendimento de avaliação na educação superior, na

qual defende que “deva reger princípios pedagógicos que se diferenciem qualitativamente dos

até então hegemônicos e que se caracterizam pela reprodução, pela homogeneização, não nos

resta alternativa a não ser romper com o modelo positivista de avaliação que usamos e

abusamos [...]”.

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Para tanto, a autora diz que a perspectiva referente à avaliação deve ser proativa,

utilizada em favor da aprendizagem, do acadêmico, em favor de uma excelente formação

profissional. Também deve ser um instrumento útil a todos os envolvidos no processo

universitário, ou seja, para evidenciar os pontos fortes e vulneráveis de acadêmicos e

professores, possibilitando intervenções que diminuam estes hiatos.

Atributo do feedback

Conceito citado por um professor:

“Avaliação processual é muito vinculada com a ideia de processo de avaliação, de

avaliação permanente, não sei se permanente ou continuada, acho que continuada,

participativa. Avaliação é um conjunto de técnicas, para que se tenha referência da

qualidade do que se está desenvolvendo. Vejo a avaliação como um processo de

correção de rumo”. (P3)

Teodoro e Vasconcelos (2003) destacam que a avaliação é uma atividade pedagógica

de fundamental importância na docência universitária e que não entendem esta como uma

atividade que tem o objetivo de medir e controlar resultados do processo de aprendizagem,

verificar o que foi aprendido e fazer o julgamento dos resultados, e sim a avaliação é:

Em primeiro lugar, a capacidade de refletir sobre o processo de aprendizagem,

buscando informações (feedback) que ajudem os alunos a perceber o que estão

aprendendo, o que está faltando, o que merece ser corrigido, o que é importante ser

ampliado ou completado, como os aprendizes poderão fazer melhor isso ou aquilo e,

principalmente, como motivá-los para desenvolverem seu processo de

aprendizagem. (p. 105)

Estamos de acordo com estes autores e esta poderia ser a concepção de avaliação

processual, que poderá modificar nossas aulas universitárias, pois o processo de avaliação

estará integrado ao processo de aprendizagem, como elemento motivador e não como um

conjunto de provas e/ou trabalhos para verificar se o acadêmico passou ou não; o feedback ou

retroalimentação trará ao aprendiz informações necessárias e oportunas para desenvolver sua

aprendizagem; a utilização de técnicas presenciais ou não contribuirá para verificar se os

objetivos estão sendo atingidos; os vários integrantes do processo precisam do feedback:

acadêmico, professor, o grupo de colegas e o programa de ensino que está sendo

desenvolvido, pois todos estão envolvidos na aprendizagem e na aula universitária e precisam

saber se estão contribuindo no alcance dos objetivos acordados.

Por meio destas respostas evidenciamos o objetivo da pesquisa sendo alcançado,

identificando e analisando o conceito de avaliação processual dos professores da UNA CSA,

observando pouca apropriação deste, após três semestres de implantação do novo sistema de

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avaliação. Isto ficou evidenciado por meio da externação de geralmente um único atributo

essencial em cada conceito.

Concluímos, portanto que os conceitos de avaliação processual externados pela

amostra não demonstram conter os atributos necessários para que sejam classificados como

conceitos científicos, de acordo com Vygotsky. A maioria deles pode ser considerada

como conceitos em transição, pois apresenta alguns dos atributos essenciais, o que não lhes

permitiu externá-los;

REFERÊNCIAS

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Lisboa: Portugal: Edições 70, 2006.

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A FORMAÇÃO DOS LICENCIADOS EM CIÊNCIAS NATURAIS E A DISCIPLINA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

 Cibele da Silva Lucion (Universidade do Extremo Sul Catarinense – Criciúma - SC)
Paulo Rômulo de Oliveira Frota ((Universidade do Extremo Sul Catarinense – Criciúma - SC)

Resumo: O presente artigo resultou de um estudo exploratório, com abordagem qualitativa. O objetivo geral constitui-se em analisar a importância da disciplina Psicologia da Educação na formação docente dos licenciados em Ciências Naturais (Química, Física, Matemática e Biologia). A Psicologia da Educação pertence ao quadro de disciplinas pedagógicas dos cursos de licenciaturas pesquisados e tem, dentre outras finalidades, a de oferecer aporte teórico e prático sobre as teorias da aprendizagem, desenvolvimento humano, aspectos psicológicos influentes no processo de ensino e aprendizagem, relacionamento interpessoal no contexto escolar e subjetividade humana. Concluiu-se que embora a maioria dos entrevistados considere a disciplina Psicologia da Educação importante em sua formação, faltam argumentações que justifiquem tal importância. Além disto, foram apontadas críticas sobre a falta de contextualização desta com a realidade prática dos licenciados em Ciências Naturais. Palavras-chaves: Psicologia da Educação, Formação docente, Ciências Naturais. Contextualização A Psicologia da Educação, conforme Salvador (1999) originou-se da filosofia. Por influência da tendência positivista, se desvincula desta área na tentativa de tornar-se uma ciência autônoma com objetos de estudos próprios. Passa a ser denominada como Psicologia da Educação no início do século XX, sendo descrita como a área do conhecimento que aplicava os conceitos e contribuições da Psicologia Clínica a Educação, especialmente para o contexto do ambiente escolar.

Guedes (2002) aponta que por volta de 1960 a disciplina Psicologia da Educação juntamente com outras pedagógicas, passa a ser requisito obrigatório nas grades curriculares dos cursos de licenciatura do Brasil e até então, embora não mais citada na legislação como obrigatória1, tal disciplina faz parte da formação dos futuros docentes.

1 A lei de Diretrizes e Bases Nacionais que está em vigor para os cursos de licenciaturas não cita mais os títulos das disciplinas, no lugar disto, apresenta conteúdos que devem ser dominados pelos futuros licenciados. Alguns destes conteúdos são trabalhados na Psicologia da Educação e ou Psicologia da Aprendizagem.

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A disciplina Psicologia da Educação, neste contexto, surge com a finalidade de possibilitar aos educadores os conhecimentos sobre desenvolvimento humano, incluindo as questões físicas/psicológicas e o processo de ensino e aprendizagem. As teorias estudadas por meio das correntes psicológicas permitiriam a aproximação do professor com os fatores interferentes nestes processos, considerando aspectos históricos, culturais e cognitivos. Porém, Gatti (2003) destaca que tais expectativas, de superar todas as dificuldades do meio escolar por intermédio da Psicologia da Educação, foram frustradas. A partir disso houve um longo período entre os anos 70 e 80 de fortes críticas. Entre meados dos anos 80 e início dos anos 90, afirma Gatti (2003), a Psicologia da Educação amplia sua abrangência, vinculando-se a outras áreas e adotando uma postura interdisciplinar, especialmente no âmbito da pesquisa. Optou-se como amostra de dados a entrevista com licenciados em Ciências Naturais, devido algumas particularidades no ensino desta área: os cursos de Matemática, Física, Biologia e Química habilitam para a atuação no ensino médio, e, portanto, a maioria dos licenciados atua neste. Considerou-se assim, a importância de pesquisar se a disciplina Psicologia da Educação tem contextualizado seus conceitos com a realidade da atuação no ensino médio. Além disto, o ensino de Ciências Naturais trabalha com conceitos universais, isto é, o conceito de célula da Biologia é o mesmo estudado, independente da cultura e ou região onde a escola está inserida. Já as outras áreas como a Ciências Humanas, trabalham com conceitos que podem ser distintos conforme o olhar sobre o assunto, a cultura e a realidade. Como exemplo o conceito de “família”, de “sociedade”, que não são únicos. Neste sentido, justifica-se a necessidade de investigar como a disciplina tem sido cursada pelos licenciados em Ciências Naturais, analisando se a Psicologia da Educação ministrada nas universidades busca contextualizar os conteúdos ministrados com a realidade do ambiente de atuação dos futuros docentes: a escola, em especial frente à sociedade/educação onde estamos inseridos na atualidade. Procedimentos metodológicos Tipo e abordagem de pesquisa

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O modelo adotado foi o estudo exploratório, de abordagem qualitativa. Utilizou-se a análise de conteúdo como técnica de interpretação dos dados coletados. A pesquisa exploratória segundo Lakatos e Marconi (2006) tem como finalidade, aprofundar o nível de conhecimento sobre determinada temática, assunto e ou realidade. A abordagem qualitativa, não tem caráter mensurável, e conforme Silva e Silva (2007), possui como principal técnica a interpretação dos fenômenos, a atribuição de significados, as observações e análises dos mesmos. Amostra A amostra foi constituída por 16 professores, sendo 4 de cada disciplina da área de Ciências Naturais (Matemática, Física. Química e Biologia), que atuam no ensino médio da rede estadual de Criciúma - SC. Foram entrevistados professores de três escolas estaduais. Quanto a formação: um com doutorado completo, um com mestrado completo, três com mestrado em andamento, cinco com pós-graduação (especialização) completa, três com pós-graduação em andamento e três possuem a graduação. No artigo os entrevistados são citados da seguinte forma: Licenciados em Matemática (M1, M2, M3 e M4), Biologia (B1, B2, B3 e B4), Química (Q1, Q2, Q3 e Q4) e por fim os licenciados em Física (F1, F2, F3 e F4). Instrumento de coleta de dados Aplicou-se uma entrevista semi-estruturada contendo dez questões abertas, buscando alcançar os objetivos da coleta. A entrevista constitui-se na coleta de dados, onde o pesquisador se coloca diante do entrevistado como ouvinte, buscando registrar os relatos de maneira ética e fiel às colocações deste. Quanto a caracterização da entrevista semi-estruturada corresponde a uma seqüência de perguntas organizadas previamente e que possui a finalidade de nortear os objetivos que se pretende alcançar com a pesquisa. Neste contexto, Boni e Quaresma (2005, p. 75) caracterizam as entrevistas semi-estruturadas:

As entrevistas semi-estruturadas combinam perguntas abertas e fechadas, onde o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto. O pesquisador deve seguir um conjunto de questões previamente definidas,

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mas ele o faz em um contexto muito semelhante ao de uma conversa informal. O entrevistador deve ficar atento para dirigir, no momento que achar oportuno, a discussão para o assunto que o interessa fazendo perguntas adicionais para elucidar questões que não ficaram claras ou ajudar a recompor o contexto da entrevista, caso o informante tenha “fugido” ao tema ou tenha dificuldades com ele. Esse tipo de entrevista é muito utilizado quando se deseja delimitar o volume das informações, obtendo assim um direcionamento maior para o tema, intervindo a fim de que os objetivos sejam alcançados. Analise de dados Um dos questionamentos centrais da entrevista com os licenciados em Ciências Naturais foi sobre a importância da disciplina Psicologia da Educação na formação e prática docente. Conforme Salvador (1999), Wisnivesky (2003), Goulart (2000), Kelly (1968), entre outros, a disciplina Psicologia da Educação possui contribuições significativas na formação docente. Dentre as contribuições e temáticas vistas na disciplina, Guedes (2009, p. 96) aponta: Desenvolvimento da criança e do adolescente; aprendizagem; compreensão dos motivos, afetos e influências socioemocionais na aprendizagem; relações sociais e pedagógicas e sua importância para a aprendizagem dos atores do cenário educacional e para seu equilíbrio emocional; processos psicossociais de formação do sujeito (criança ou adulto); aprendizagem escolar e não-escolar, envolvimento com a aprendizagem e com o conhecimento, com o outro e com a sociedade; aprendizagem da comunicação, compromisso com a própria formação, compromisso e solidariedade com o outro e com o humano-genérico [...].

Porém, historicamente a Psicologia da Educação também foi alvo de críticas por estudiosos da educação que conforme Patto (2003) não concordavam com o olhar determinista e reducionista desta área diante das questões educacionais. Tais críticas referiam-se também a tendência de se patologisar2 o fracasso escolar, e as tentativas de adaptar e curar (Psicologia curativa e adaptativa) as crianças oriundas de classes sociais subalternas que foram inserias no ensino público.

Por volta dos anos de 1970 e 1980 são realizadas pesquisas que buscavam superar este período de crise ente Psicologia e Educação. Gatti (2003) afirma que a

2 Tendência de considerar a causa do fracasso escolar de crianças e jovens uma patologia, doença, algo genético, reduzindo ao máximo a responsabilidade social e escolar frente as dificuldades de aprendizagem.

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partir disto, a Psicologia da Educação se aliou a outras áreas do conhecimento com a finalidade de ampliar o seu olhar frente os fenômenos educacionais. Por meio de estudos interdisciplinares (Psicologia, Antropologia, Sociologia, Ciências Políticas e outras) a visão reducionista aos poucos foi se expandindo, considerando além dos aspectos individuais no desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo, os aspectos sociais e culturais nestes processos. Atualmente a Psicologia da Educação enquanto área possui um campo vasto de teorias que trazem contribuições sobre os fatores psicológicos interferentes nos processos de ensino e aprendizagem. O fato é que a Psicologia não possui uma unidade teórica, compõe-se de diferentes “psicologias”, que buscam diferentes olhares e partem de objetos diversos. Ao passo que Skinner busca, por meio do Behaviorismo, entender o comportamento compreendendo a relação do indivíduo com o meio, objeto de estudo de Piaget é o pensamento lógico-matemático, procurando compreender como se dá o desenvolvimento do pensamento lógico. Por sua vez Vygotsky fundamenta-se na teoria histórico-cultural para conhecer as funções psicológicas superiores, típicas da espécie humana, Freud direciona seus esforços ao inconsciente, e como estes, muitos outros pesquisadores vão traçando múltiplos caminhos. (WISNIVESKY, 2003, p. 32). A disciplina Psicologia da Educação nos currículos das licenciaturas passou a ser obrigatória nos anos de 1960. As diretrizes e bases nacionais citavam, dentre outras disciplinas pedagógicas, a Psicologia da Educação. Guedes (2002) coloca que por influência da Escola Nova, as questões de ordem biológicas e psicológicas passam a ser supervalorizadas no ensino, e conseqüentemente, refletindo na formação docente, a qual passa a ter como propósito preparar os futuros professores para atuarem diante das questões biopsicológicas dos alunos. Diante do exposto, faz-se necessário conhecer como a disciplina Psicologia da Educação dos currículos de licenciatura tem sido trabalhada na atualidade. Vejamos algumas pesquisas acerca da importância desta disciplina no formação docente.

Bergamo (2004) constatou através de sua pesquisa com professores licenciados da educação básica que a maioria destes considera a disciplina de Psicologia da Educação importante para sua prática. Sessenta e cinco por cento dos pesquisados afirmaram tal importância. Porém, 21% colocaram que a disciplina não contribuiu para sua prática docente. Dentre as justificativas dos que responderam afirmativamente, encontram-se na pesquisa de Bergamo (2004, p. 39):

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Em sala de aula aparecem vários tipos de problemas. Quanto maior o conhecimento em Psicologia da Educação, mais chance de acertar na condução e solução de cada problema (ED 3). [...] Alguns conteúdos ajudaram a identificar problemas ou solucionar questões que aparecem no dia-a-dia (ED 17 e ED 18). [...] Propiciou entender melhor o comportamento em cada faixa etária alertando para as fases do desenvolvimento (EA 1) [...] Porque me ajudaram a entender como a mediação do professor interfere na aprendizagem e desenvolvimento do aluno (EB 8). [...] Sim, pois estudei comportamentos e dificuldades encontradas nos seres humanos, principalmente durante o período escolar. (EB 16). Já os professores que criticaram a disciplina de Psicologia da Educação, segundo a autora, citaram motivos tais como: o pouco tempo destinado ao estudo desta área do conhecimento e a dicotomia entre a teoria e a prática. Porém, Bergamo (2004) frisa que tal disciplina não tem como finalidade ensinar técnicas e métodos de ensino, característicos das didáticas e práticas de ensino, por exemplo, mas sim possibilitar um olhar crítico e reflexivo no professor, o qual, através dos conhecimentos internalizados sobre as questões psicológicas que norteiam os processos de ensino e aprendizagem, poderá atuar de forma mais condizente com as necessidades educacionais de seus alunos. Ainda assim, acredita-se na necessidade de relacionar os conteúdos com a realidade vivenciada na prática docente. Larocca (2001) e Gatti (2003) afirmam que é necessário realizar esta ponte entre as teorias da aprendizagem, dentre outros conteúdos da disciplina, com a realidade social, histórica e cultural onde a escola está inserida, portanto, voltando-se para uma práxis docente. Ainda sobre as contribuições da disciplina de Psicologia da Educação, Carvalho (2003) pesquisou um grupo de 30 professoras da 1ª série do ensino fundamental, formadas em Pedagogia. A pesquisa teve como objetivo verificar as contribuições da Psicologia Educacional para a prática docente. Ao serem questionadas sobre tais contribuições, Carvalho (2003, p. 83) descreve o seguinte:

O primeiro grupo concentra as manifestações da grande maioria das professoras entrevistadas: 25 manifestações do total de 30, o que representa 83% desse total. As respostas das professoras desse grupo foram sintetizadas em quatro pontos principais, descritos a seguir: a) a psicologia auxilia a identificar dificuldades pelas quais a criança esteja passando, sejam problemas familiares, sejam de relacionamento, de aprendizagem ou problemas psicológicos mais graves (dez manifestações); b) a Psicologia ajuda a perceber as diferenças de personalidade e as diferenças entre as

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crianças (seis manifestações); c) “usar de Psicologia” auxilia no relacionamento com a criança (cinco manifestações); d) a Psicologia ajuda a entender o desenvolvimento infantil (quatro manifestações). Os resultados das pesquisas descritas anteriormente se assemelham em alguns momentos com os relatos dos licenciados em Ciências Naturais entrevistados. Dos 16, 14 responderam afirmativamente sobre a importância da disciplina de Psicologia da Educação em sua formação e prática docente. Porém, muitos destacaram a necessidade de serem revistos alguns procedimentos frente à disciplina ministrada nas licenciaturas. Dentre as falas dos professores que fizeram afirmações acerca da importância da disciplina, a de uma licenciada em Química cita a necessidade de conhecer as questões cognitivas do público onde o docente atua. Neste mesmo relato é possível verificar a influência em seu discurso da tendência construtivista de Piaget, onde existem estágios de desenvolvimento humano, com características maturacionais específicas. Além disso, a entrevistada destaca indiretamente a importância do relacionamento interpessoal entre alunos e professores, quando afirma que o professor deve entender o aluno para “não bater de frente”. Percebe-se então, nesse momento, a presença dos pressupostos da Escola Nova. É muito importante, porque a gente trabalha com “gente”, com “pessoas” e se você não tem o mínimo de noção, de entendimento do cognitivo, é aquele professor que vai bater de frente com o aluno e o aluno bater de frente com o professor. E como você ta ali como uma pessoa mais velha, orientando, você tem que saber com que público que está lidando. Eu por exemplo, que trabalho no ensino médio, tenho que entender esta faixa etária entre 14 anos e 20 anos, preciso entender como eles entendem as coisas. Isto é muito importante. (Licenciada em Química - Q3). Assim como a fala apresentada, a maioria dos entrevistados ressaltou a importância da disciplina pelo fato desta auxiliá-los no entendimento e no “trato” dos seres humanos, no caso os alunos. Percebe-se isso no seguinte relato: “Sim, claro que é importante. Primeiramente porque o professor vai lidar com seres humanos, não é só chegar lá e dar aula de matemática. Ele vai trabalhar com “pessoal” (Licenciada em Matemática M2).

Historicamente, percebe-se que a disciplina de Psicologia da Educação assume realmente este papel, o de preparar os professores para atuarem diante da diversidade cultural, social, econômica e, portanto, de personalidades, potencialidades e

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comportamentos diferenciados dos alunos e, sobretudo, para desenvolver o relacionamento interpessoal entre docentes e alunos. É possível perceber no relato a seguir, em que a licenciada em Biologia denuncia a imagem que possui da Psicologia da Educação, a qual veio para auxiliar a “lidar” com os “carentes”, isto é, com a classe dominada que passa a freqüentar a escola e precisa ser padronizada de acordo com os valores e comportamentos determinados pelas classes dominantes. Patto (1984) destaca que a Psicologia da Educação assumiu o papel curativo e preventivo por volta dos anos 50 e 60, o que ainda está presente na concepção de professores, influenciados pela condução/visão do docente psicólogo da disciplina Psicologia da Educação que cursaram durante a graduação: Eu penso que a Psicologia poderia ajudar mais assim: a gente tem muitos alunos carentes, a gente tem alunos drogados e a gente não é preparado pra isto, os casos de alunos que usam cadeiras de roda. Eu sei que isto na nossa sociedade vai ser algo comum, mas nós professores não estamos preparados. (B4) Guedes (2002) cita que as disciplinas pedagógicas e em especial a Psicologia da Educação vem para solucionar os conflitos e problemas enfrentados no meio educacional escolar. Salvador (1999) ainda ressalta que se depositaram nesta área por volta dos anos 60 todas as expectativas quanto à formação docente dos licenciados. A partir da introdução da disciplina nos currículos, os professores estariam mais aptos a trabalhar com públicos diferenciados, valorizando o relacionamento interpessoal, as necessidades e potencialidades cognitivas particulares de cada aluno. Porém, Salvador (1999) afirma que estas expectativas não foram alcançadas, pois os problemas relacionados à formação docente e, sobretudo, à marginalização escolar permaneceram.

Neste contexto, temos as críticas de Saviani (1999), o qual enfatiza que as questões ligadas à marginalização é o resultado dos interesses das classes sociais dominantes no sistema capitalista, pois não há um interesse verdadeiro no desenvolvimento educacional, porque este pode conduzir os estudantes a uma postura crítica sobre os sistemas de classes e a concentração de poder. Então, apesar da introdução das disciplinas pedagógicas nos currículos de licenciaturas, incluindo a Psicologia da Educação, tais medidas por si só frente à formação docente, não poderiam gerar mudanças significativas na educação, pois: “[...] as reformas escolares fracassaram, tornando cada vez mais evidente o papel que a escola desempenha:

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reproduzir a sociedade de classes e reforçar o modo de reprodução capitalista”. (SAVIANI, 1999, p. 29) Alguns relatos da pesquisa em questão ressaltaram, além dos fatores cognitivos, a necessidade de se conhecer as fases características de cada idade. Estas falas são geralmente condizentes com a teoria construtivista de Piaget (1995), a qual apresenta os estágios do desenvolvimento maturacional como requisito antecedente à aprendizagem. Além disso, também se destacou durante algumas falas o distanciamento da formação universitária em relação à realidade da escola. Neste sentido, recorre-se à disciplina de Psicologia da Educação como um espaço de possibilidades, de serem realizadas discussões acerca da prática docente no contexto social e real onde as escolas estão inseridas. Incluindo, dentre outras, as temáticas, no âmbito das ciências naturais, e o uso das fundamentações teóricas sobre ensino e aprendizagem na prática docente. Percebe-se tal fato na fala a seguir: “Eu vejo assim, hoje a faculdade está muito longe do que é na realidade a escola e se você não tiver isto da psicologia, de saber como é que funciona determinadas fases, tu não consegue trabalhar na escola”. (B2). Carvalho (2003) alerta para a importância de a Psicologia da Educação rever a maneira de ministrar seus conteúdos, especialmente nos cursos de licenciatura. Larocca (2001) também enfatiza a necessidade de associar as correntes teóricas estudadas com a realidade social, possibilitando aos docentes um olhar crítico desde a criação/aceitação das teorias estudadas até a aplicabilidade destas em suas práticas. Entre os professores entrevistados, muitos citaram as dificuldades de relacionarem a Psicologia da Educação a sua área de atuação. As críticas apontadas referem-se, dentre outras, sobre os conteúdos em relação a: ênfase no desenvolvimento e aprendizagem infantil, quando na verdade eles atuam mais no ensino médio. As teorias são “passadas” de forma desconectada com a realidade prática. A disciplina é situada no currículo, nas primeiras fases, onde segundo os licenciados em ciências naturais, eles ainda não possuem maturidade e não têm experiência de sala de aula. Vejamos alguns relatos:

[...] Hoje eu sei que é bem importante, tanto que é uma das áreas que eu mais estudo hoje, continuo estudando, eu despertei mais no final da graduação para isto. Quando eu comecei tinha 18 anos e eu não queria saber de psicologia no primeiro e segundo semestre do curso, eu até percebia que tinha uma certa importância, mas não me sentia atraído, tanto é que eu entrei numa faculdade de matemática, e eu queria era cálculo. Eu até era um bom aluno, mas assim de essência daquele conteúdo naquele momento não ficou

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muita coisa pra mim, não sei se o professor não soube levar muito bem, ou se a disciplina deveria estar mais adiante no curso, o que eu sinto é assim. (F1) Importante ela é, pra gente conhecer um pouco mais sobre as teorias, mas o problema é o jeito que ela foi dada, eu lembro que na minha época, eram umas aulas meio chatas, assim, tinha um monte de leitura e sabe como é né, o pessoal da minha área já não gosta muito de ler, então alguns nem liam os textos. [...] Então, eu acho que se fosse dada de um jeito diferente. Hoje eu sei que é importante a gente conhecer os alunos e lidar com as coisas que acontecem na escola, mas na época a gente não tem noção da realidade, aliás a graduação num todo não prepara a gente pra prática, pro dia-a-dia... (F4) Com certeza, acho importante no sentido, mas depende como o curso entende sobre psicologia da educação, qual é o ementário dele. Porque o nome psicologia da educação, né, a própria psicologia é muito ampla, então é preciso definir quais os teóricos que vão ser estudados. Eu me lembro que na minha época a professora trabalhou mais a questão do cérebro, áreas que são afetadas e responsáveis pelo conhecimento, não entrando nos teóricos. Me lembro que a gente leu um texto do Freud, me lembro que a gente copiava o cérebro e não sei se porque o curso no início era Ciências e depois a gente escolhia a licenciatura plena em matemática ou em biologia. Mas não fico assim teóricos, como depois a gente entrou em contato na especialização e no mestrado. (M3). Apesar de a maioria responder afirmativamente frente a importância da disciplina de Psicologia da Educação, dois dos entrevistados responderam que não reconhecem a importância desta. As argumentações apresentadas correspondem à falta de finalidade clara da disciplina na grade curricular dos licenciados em Ciências Naturais; a dificuldade dos ministrantes que não conhecem a área das Ciências Naturais, não sabendo contextualizar e considerar as diferenças entre licenciaturas desta e outras áreas do conhecimento. Afirmam inclusive que a disciplina não é reciclada com o passar dos anos. Isto é, não trabalha com a realidade atual da escola. O que se aproxima dos resultados da pesquisa de Almeida (et al, 2007) sobre a Psicologia da Educação e a prática docente no ensino médio, a qual verificou que a maioria dos professores não se lembra dos conteúdos e, portanto, não consegue relacioná-los com suas práticas. Os entrevistados reconheceram a importância da Psicologia, porém reclamaram da falta de conhecimento para utilizá-la. Os resultados apontaram para a pouca eficiência das disciplinas de Psicologia ministrada nas licenciaturas, que não atinge sua função de intervenção em sala de aula. (ALMEIDA et al, 2007, p. 102).

O entrevistado licenciado em Matemática M4 coloca sobre a importância da Psicologia da Educação em sua prática: “Da forma que foi passada lá não. Tanto é que

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eu nem lembro o que é que foi passado. Depende do jeito que é passado e na nossa época não surtiu efeito algum, pelo menos eu não vejo”. Gatti (2003, p.107), neste contexto, apresenta críticas sobre a maneira como a Psicologia da Educação é ministrada tanto aos estudantes das licenciaturas, Pedagogia e inclusive na própria graduação de Psicologia. Levantamentos mostram que ainda estamos empregando os manuais mais tradicionais, a maioria traduzidos de originais antigos sem revisão de edição e conteúdos, eivados de erros de tradução, ou, de outro ângulo, encontram-se programas que enfocam apenas e superficialmente um dos recortes de abordagem da Psicologia da Educação, sendo que a maioria dos docentes da disciplina não fazem sua atualização em relação à produção científica da área. A fala a seguir demonstra um certo “desprestígio” da disciplina para o entrevistado devido a forma desta ser ministrada. Desprestígio que, segundo Guedes (2002) e Gomes (2006), é bastante comuns em relação às disciplinas pedagógicas, pois a própria estrutura curricular reforça tal sentimento, na medida em que não é feita a correlação entre os grupos de disciplinas (específicas e pedagógicas). Gatti (2003) como foi visto também analisa a desconexão da Psicologia da Educação com a realidade, o que pode gerar sentimentos e considerações como a do licenciado referido: [...] eu acho que sinceramente “é uma merda”. Os alunos, pelo que eles disseram é aquele “BA BA BA” de sempre, eles dão a disciplina do mesmo jeito que há 50 anos, é a mesma coisa do meu tempo. Até pode o aluno conseguir construir alguma coisa com base no que viu na psicologia, mas isto é bem difícil, pelo menos da forma como a disciplina é dada. (F2) O licenciado F2 atua no ensino superior do curso de Matemática e Física. Ele relata que os alunos se queixam sempre da disciplina Psicologia da Educação, alguns ainda percebem a necessidade desta durante a realização dos estágios, porém, criticam a falta da relação desta com as necessidades dos professores do ensino de Ciências. F2 ainda destaca:

A Psicologia poderia auxiliar pra diminuir o pré-conceito que os professores de ciências enfrentam. Sempre ficamos com a fama de professores “tradicionais”, “durão”. Mas dar aula de matemática é diferente do que história por exemplo. Você consegue aplicar muito mais a psicologia nas áreas que não são exatas. Na matemática uma formula é uma formula e nem sempre é possível relacionar um calculo com uma realidade. Pelo menos durante a graduação agente não aprende a fazer isto. Na psicologia agente fica lá estudando as fases das crianças, mas assim, como utilizar a física, a

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matemática na aprendizagem agente não vê, eu pelo menos não vi, e pelo que os meus alunos falam ainda não é visto. Então pra que Psicologia? CONCLUSÃO Por meio das entrevistas, em especial do questionamento frente à importância da Psicologia da Educação na formação docente, percebeu-se que, embora haja o reconhecimento da maioria dos entrevistados, muitos não souberam argumentar tal importância com base em conhecimentos científicos dos conteúdos trabalhados nesta área. Dentre as 16 respostas, nove associaram a disciplina com a finalidade de “entender o ser humano”, mas não citam diretamente o processo de ensino e aprendizagem. Um dos licenciados em Biologia cita como contribuição da disciplina o “ensinar a ter equilíbrio”. Embora, conforme Bergamo (2002) e Guedes (2009), a disciplina de Psicologia da Educação também trabalhe com as questões relacionadas à emoção e personalidade, estes não devem ser o único foco. O “ensinar a ter equilíbrio” poderia se substituído por “ensinar a ter paciência”, e a professora coloca este como um objetivo da Psicologia em Educação, porém, que corresponde mais a um processo terapêutico característico da psicologia clínica do que da disciplina em questão. Mesmo os entrevistados que afirmaram a importância da Psicologia da Educação, oito dentre os 16, pouco se lembram dos conteúdos, e acabaram associando a conceitos populares, do senso comum e/ou representações históricas do papel da Psicologia. Com base nas questões apontadas conclui-se: - A minoria dos professores apontou a disciplina Psicologia da Educação como contribuinte na compreensão do processo de ensino e aprendizagem. Pois ainda projeta-se na disciplina a imagem da área clínica, e, portanto, é vista como um meio de ensinar o professor a ter equilíbrio emocional, “lidar” com alunos carentes, entre outras colocações. - A maioria relatou que passaram a valorizar a disciplina apenas após a graduação ou no fim desta, durante os estágios. Possivelmente o desinteresse durante o curso está vinculado a falta de contextualização da Psicologia da Educação com o ensino de Ciências Naturais, a falta de maturidade de alguns alunos no início do curso, e em alguns casos, a falta de habilidade do ministrante da disciplina.

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- A disciplina Psicologia da Educação precisa rever conteúdos e a forma de contextualizá-los enfatizando também a faixa etária dos jovens do ensino médio, e não somente na psicologia infantil. - A pesquisa-ação pode ser uma estratégia de ensino que aproxime a disciplina Psicologia da Educação da realidade escolar, possibilitando um entrelaçamento entre teoria e prática. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rúbia S. ALVES, Cândida Beatriz. NEVES, Gabriela Nunes. SILVA, Ludmila P. PEDROSA, Regina Lúcia S. O professor de ensino médio e a psicologia em seu cotidiano escolar. Psicol. Esc. Educ. v. 11, n. 1, Campinas, jun, 2007. CARVALHO, Diana de C. As contribuições da psicologia para a formação de professores: algumas questões para debate. In: MARASCHIN, Cleci; FREITAS, Lia; CARVALHO, Diana Carvalho de. Psicologia e educação: multiversos sentidos, olhares e experiências. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003. 359p. ISBN 8570257139 (broch.). BERGAMO, Regiane B. Concepções de professores sobre a disciplina psicologia da educação na formação docente. Dissertação de mestrado do curso de Mestrado em Educação da PUCPR, Curitiba, 2004. Orientador: Prof. Drª Joana Paulin Romanowski.

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